A mágoa reside na expectativa!

Por Blog Perdas e Luto

 

“Não posso escolher como me sinto, mas posso escolher o que fazer a respeito” (William Shakespeare)

Na minha lida diária como psicoterapeuta uma emoção que observo com frequência, principalmente em pessoas que estão em processo de finitude e também em algumas pessoas enlutadas, é a mágoa. Interessante observar como pessoas que possuem doenças crônicas ameaçadoras da vida expressam a necessidade de perdoar e serem perdoadas por desentendimentos que geraram ressentimentos profundos. Mesmo com o passar do tempo, essa “bagagem” ainda traz muito desconforto à alma. Por isso, elas querem expressar o perdão antes de morrerem. Muitos dizem: “eu não quero morrer com esse peso no meu coração” – há também os bem humorados que dizem: “imagina morrer com esse carma, vai que eu volto para cá de novo e preciso encontrar com essa pessoa novamente. Ah, não! Vamos resolver isso nessa vida”. Com drama ou com humor, mágoa é coisa séria. Os efeitos devastadores do rancor consequente ao ressentimento já foram assinalados há 25 séculos por Heráclito de Éfeso (540 AC) – “há que mostrar maior rapidez em acalmar um ressentimento do que em apagar um incêndio, pois as consequências do primeiro são infinitamente mais perigosas do que os resultados do último”.

Neste sentido, tenho refletido sobre a origem da mágoa nas relações interpessoais e como essa emoção que provoca sentimentos complexos pode trazer complicações psíquicas, emocionais e físicas para quem a vivencia com intensidade. Também incentivada por alguns dos meus pacientes que trouxeram esse tema para a psicoterapia. Num trabalho terapêutico de compreensão e desconstrução dessa emoção, lhes foi possível ter um outro entendimento acerca da origem e perpetuação da mágoa. Por isso, resolvi compartilhar com vocês minhas ideias e reflexões a respeito dessa emoção tão inquietante.

A mágoa é uma emoção que faz parte da existência humana. Todos nós em algum momento da vida a sentiremos, seja por algo violento que pode gerar um trauma ou desentendimentos do passado que nos parecem difíceis de serem geridos e/ou esquecidos. De fato, manejar a mágoa não é tarefa fácil para a maioria dos seres humanos. Toda emoção é uma ação instintiva, que passa pela percepção mental em frações de segundos e desencadeia reações orgânicas, que culminam em sensações físicas, como a sensação de raiva quando alguém nos magoa e/ou nos fere e que nos leva a dar um soco na mesa, o impulso de agredir de volta, que pode levar a uma dor estomacal, à vontade de gritar – ou para ofender alguém ou para jogar para a fora aquela carga pesada demais. Preste atenção neste ponto. Carga pesada demais. Toda emoção que não é manejada de forma adequada gera uma carga psíquica que pode gerar um profundo desconforto. Ah! E não é somente consequência psíquica que a mágoa gera, mas também física e somática. Segundo a especialista em psicologia clínica Patricia Santiago, isso ocorre porque essa emoção gera estresse e prejudica a qualidade do sono, o fato de nutrir sentimentos negativos influencia no desenvolvimento de diversas doenças como gastrite, hipertensão, diabete e obesidade.

Afinal, por que sentimos mágoa? Por que nutrimos por anos e anos ressentimentos por determinada pessoa ou situação? Em termos terapêuticos as perguntas são: Por que isso me marcou? Qual o significado dessa mágoa? De onde vem esse sentimento? Fazendo um reflexão sobre todas essas perguntas e questionando o meu próprio entendimento sobre o magoar-se, cheguei à ideia de que a mágoa, em muitos casos, reside na expectativa que criamos em relação ao outro.

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