Raiva no processo de luto: como apreender essa emoção?
Por Nazaré Jacobucci para Blog Perdas e Luto
“Era raiva não. Era marca de dor” (Adélia Prado)
A raiva é uma emoção básica, que todos nós sentimentos, e que possui duas vertentes importantes. A primeira é que essa emoção nos impulsiona a fazer algo diante do que o cérebro interpreta como uma ameaça e a segunda é que se ela não for expressa de uma forma adequada pode trazer sérias complicações para a vida das pessoas. É uma emoção que pode destruir relações sociais, objetos e até mesmo nos fazer ter comportamentos autodestrutivos.
Ao nos referir à raiva, ela eclode quando algo que cremos, que nos é familiar, ou alguma visão que temos do mundo sofre uma ruptura. Essa emoção pode surgir em diversos contextos de nossa vida, como por exemplo: raiva do abismo social em que o mundo se encontra, raiva de um líder político que desencadeia uma guerra sem propósito, raiva ao vivenciar um ato de traição de pessoas que julgávamos confiáveis, quando algo nos é tirado, e em tantos outros contextos. Raiva é a reação natural para a dor seja ela física, psíquica ou emocional.
Apreendendo o surgimento dessa emoção, então, podemos ter uma ideia de o porquê a raiva ser uma das emoções mais predominantes num processo de luto. Ao perdermos um ente querido, principalmente, se for de uma forma injusta ou abrupta, as nossas crenças sobre o funcionamento do mundo é quebrada. Neste sentido, a ideia que tínhamos de que podemos controlar algumas situações se confronta com a realidade de que nós não controlamos os acontecimentos da vida. Isso é impossível. A ideia do não controle pode gerar ansiedade, sofrimento, angústia e até mesmo prejuízos à pessoa enlutada e às pessoas que estão ao seu entorno. Há pessoas que colapsam emocionalmente e ficam presas à raiva devido à perda que sofreram. Por isso, o manejo adequado dessa emoção é importante durante um processo de luto.
Quando perdemos um ente querido a dor é enorme e muitos questionamentos nos surgem à mente e, como resposta, a raiva aparece como uma reação natural à perda. Podemos sentir raiva das circunstâncias da morte, de alguns pessoas e/ou profissionais que estiveram envolvidos direta ou indiretamente com essa morte, de familiares e amigos pela incompreensão pelo momento vivenciado, por frases que nos são ditas e irritam profundamente, podemos sentir raiva até mesmo do ente querido que morreu por nos ter “abandonado” naquele momento da vida e, claro, podemos sentir raiva do destino e/ou de Deus por ter permitido que aquela pessoa tão especial para nós morresse. Muitas pessoas questionam o porquê que seu ente querido morreu, pois o “mundo está cheio de tantas pessoas más”.
Pode parecer estranho sentir raiva. Mas ficar com raiva é uma maneira de liberar energia, de protestar contra uma perda que não faz sentido ou parece injusta. Embora, no fundo, a pessoa saiba que aquela emoção não é lógica e muito menos tem uma justificativa plausível, ela continua a experimentando, porque as emoções humanas raramente seguem uma lógica.
Caso toda essa raiva não seja devidamente verbalizada e contextualizada, ela pode trazer algumas consequências para a pessoa enlutada. A raiva no processo de luto pode também se traduzir em doenças psicossomáticas. Assim, a raiva pode estar sendo deslocada e as reações mais comuns são: uma dor de estômago, cansaço físico e mental, cefaleias, insônia e uma maior tendência a ter infecções. Quadros clínicos, caso não sejam devidamente tratados, podem trazer complicações à saúde da pessoa que já vive um momento de fragilidade. O ponto importante e que requer muita atenção é a raiva direcionada a si mesmo e que, nesse tipo de situação, pode levar a pessoa a ter comportamentos tão perigosos quanto prejudiciais para a própria saúde. Há pessoas que recorrem à bebida alcoólica, aos jogos de azar ou a qualquer outro comportamento que lhes permita “esquecer” a dor da perda. Sem dúvida, são situações muito complicadas.
Algumas respostas físicas ajudam a liberar a raiva: bater um martelo, socar uma almofada, chutar um colchão. Liberar energia física ajuda. Gritar quando sentir vontade, sem vergonha, sem limite. Gritar bem alto. Botar para fora, contar para todo mundo que está com raiva, que está muito bravo, sem censura. Manter a raiva dentro de você pode ser mais arriscado do que não expressá-la.
Sentir raiva ao perder um ente querido é natural e faz parte do processo de assimilação e compreensão da perda. Afinal, a pessoa enlutada está vivenciando essa emoção porque ela está agoniada por saber que ela deixará de receber algo que nutria seu sentido, o eu/self. Contudo, caso perceba que ela está se estendendo por muito tempo e comprometendo seu bem-estar e seu cotidiano, procure ajuda especializada. Um processo de psicoterapia é recomendável, para ajudá-lo a compreender essa emoção e trazer ferramentas para o devido manejo no seu dia a dia. Você não precisa lidar com tudo isso sozinho, busque apoio e se cuide.
Crédito: PERDAS E LUTO | Educação para a Morte, as Perdas e o Luto