Como lidar com o luto infantil?

[ Por Carla Solange Gomes ] É importante o acolhimento emocional a essa criança por parte dos familiares. A ajuda de um profissional de saúde mental pode agir como um facilitador desse processo.

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A perda é considerada uma das situações mais delicadas da vida, necessitando atenção para não gerar prejuízo ao psiquismo das pessoas. Um adulto, mesmo sendo saudável emocionalmente, não está livre da dor e desorganização que as perdas, ao longo da vida, podem causar; sendo necessário tempo para recuperar-se, com auxílio e apoio de familiares, amigos e em alguns casos, ajuda profissional (no caso do luto patológico). Desse modo, se para um adulto essa já é uma das situações mais difíceis da vida, imagine para uma criança.

Desde pequenos somos afastados da ideia de perder alguém, pois o luto é visto em algumas culturas com tabu. Fazemos isso desde muito cedo… quando aquele peixinho do nosso filho morre, compramos imediatamente outro para que ele não perceba. Quando um cachorro morre, também temos o mesmo movimento, comprar outro, sem falar muito sobre o que passou…

Essas tentativas de “proteger” nossos filhos são embasadas na melhor das intenções. Porém, ao mesmo tempo que fazemos isso, não ensinamos essas crianças a entrarem em contato com seu sofrimento e, consequentemente, elaborar suas perdas de maneira saudável.

As crianças são mais vulneráveis aos efeitos das perdas, pois estão se desenvolvendo cognitivo e emocionalmente. É necessário que suas perdas sejam acompanhadas pelos adultos, e que esses acolham a criança nesse momento tão delicado, evitando e prevenindo, assim, prejuízos e sequelas no seu psiquismo. Depressão e ansiedade na vida adulta, podem estar associados entre outros aspectos, a perda por morte de um ente querido na infância, especialmente os pais. Por este motivo, é de vital importância que saibamos como agir com a criança enlutada.

Nesses momentos, converse com a criança, use uma linguagem acessível a ela. Na realidade, ninguém está preparado para uma notícia de falecimento, mas, isso faz parte do ciclo da vida. Então, o ideal para um melhor amadurecimento emocional da criança, é sempre falar a verdade, acolhendo-a e dando o suporte emocional necessário.

Os adultos, por vezes, podem facilmente subestimar os efeitos das perdas na vida das crianças, talvez devido à vitalidade e energia existente nelas. Porém, a perda de um dos pais, por exemplo, provoca na criança sentimentos intensos, como: culpa, dor, medo, saudade, podendo ainda, acabar com o sentido da vida dela.

É importante o acolhimento emocional a essa criança por parte dos familiares. A ajuda de um profissional de saúde mental pode agir como um facilitador desse processo.

É importante que o adulto responsável pela criança, bem como, todos que estão a sua volta, saibam qual a melhor forma de agir com a criança enlutada, ajudando-a a passar por esse momento tão difícil, da melhor forma possível.

O modo pelo qual é feito o comunicado da morte para a criança, pode tanto ajudar, como prejudicar. O melhor modo de falar sobre a morte para a criança é respeitando e acompanhando o seu nível intelectual, e o que ela já conhece sobre o assunto; só a partir daí, falar a verdade de forma clara, e em uma linguagem que a criança entenda.

A morte não deve ser explicada para a criança através de metáforas, tas como: “virou estrelinha”, “está dormindo”, “foi viajar”, “foi para o céu”, “Deus levou”, pois como a criança não tem consolidado as capacidades de pensamento abstrato, ela vai interpretar tudo ao pé da letra. Ou seja, vai achar que virou estrelinha mesmo.

Cabe ao adulto tentar reconhecer a inabilidade que a criança tem em falar sobre esse assunto ou entender esse processo, para que se dê a compreensão da criança sobre a morte. Para que a criança compreenda a morte, com os recursos que sua idade permite, ela não deve ser excluída da experiência da perda. Isso faz com que ela perceba a realidade. Naturalmente, essa realidade será a que a criança puder fazer, encontrando comportamentos e ações que deem um significado à perda.

Não se deve esconder nem limitar informações sobre a morte para a criança. Ela deve ser familiarizada e preparada para este aspecto da vida, para que desse modo, ela possa adquirir as competências necessárias a superação dos sentimentos de perda e luto futuros. Deve ser permitido a criança sentir as tristezas e desesperanças reais, sem empurrá-las para um estado de falsa alegria e esquecimento.

Deve-se inserir as crianças nas conversas e discussões sobre o morto, para que ela não sinta-se sozinha em sua dor, oferecendo a ela, o conforto de um luto compartilhado; pois, a família deve ser sua fonte de confiança e apoio, auxiliando a criança a ultrapassar os sentimentos negativos que vierem em decorrência da perda, e ajudando-a a crescer e amadurecer.

Em caso de doença terminal a criança precisa ter contato físico com o doente e, caso este esteja em casa, ela pode participar das tarefas de ajudar a tomar conta do familiar. Esta situação auxilia a criança a lidar melhor com a morte, prepara para atravessar o luto e reduz problemas psicológicos futuros. É necessário que se mantenha a rotina da criança. Muitos adultos evitam levar crianças em velórios/enterros, mas a vontade da criança de participar ou não, deve ser respeitada.

O significado dado à morte pela criança varia de acordo com alguns fatores, entre os quais o primeiro a ser considerado é a idade, ou melhor, o momento de seu desenvolvimento psicológico.

Os outros fatores são a forma com que os adultos lidam com a perda e o binômio quantidade/qualidade de relação tida pela criança com a pessoa falecida. Assim que a criança tem idade suficiente para estar vinculada, pode ter consciência da possibilidade de perder essa pessoa. O medo da morte é originado no medo de perder a pessoa amada, de romper vínculos.

As formas de reagir à morte estão ligadas a cultura familiar e às assimilações individuais. E segundo os estudiosos da área, mesmo diante da reação específica de cada pessoa, notam-se padrões comuns que no caso do luto infantil residem em três fases principais.

A primeira fase é a do “protesto” quando a criança não acredita que a pessoa esteja morta e tenta reavê-la. Aqui é comum o pequeno chorar, ficar agitado e procurar o morto pela casa. A segunda fase é a do desespero e da agressividade, quando há certa desorganização da personalidade, mas é aqui também que a criança começa a assimilar a perda do ente querido. Já na terceira fase, a criança começa a buscar novas relações, reaparecendo a esperança. É quando a vida começa a voltar ao normal.

Além dessa visão das fases do luto infantil, existem teóricos, como Piaget, que as ligam à maturação cognitiva. Para ele, o desenvolvimento intelectual da criança se divide em quatro estágios e a reação à perda estará ligada ao esperado para cada fase.

No estágio sensório-motor (0 – 2 anos) não há ainda um conceito formado sobre morte; o pré-operacional (2 – 7 anos), a morte é reversível (a criança tem a ideia de que a pessoa voltará como acontece no desenho animado, no qual o personagem morre e logo revive); o operacional concreto (7 – 11 anos), a morte é irreversível, com explicações fisiológicas e o operacional formal (a partir dos 11 – 12 anos) a morte é irreversível, universal, pessoal, mas distante; as explicações são de ordem natural, fisiológica e teológica.

Morrer, perder, envelhecer, ficar doente são acontecimentos que fazem parte do processo da vida e, portanto, devemos ser minimamente preparados para eles. E não é negando ou evitando que a criança tenha contato com esses assuntos e situações que as preparamos para elaborá-los. Se agirmos desse modo estaremos é atrapalhando o processo de luto.

Por isso, não mentir para a criança e permitir que ela vivencie a perda e se expresse em relação aos seus sentimentos, medos e angústias é o mais adequado. Assim, ajudaremos a manter a sua saúde psíquica, evitando, inclusive, distúrbios psicológicos na vida adulta.

Profissional

15181403_1504932779523886_1209493880450362149_nCarla Solange Gomes
Psicóloga Clínica e Hospitalar
CRP 06/85.925

Atua com Terapia Cognitivo Comportamental, Psicodinâmica e Sistêmica.

Pós-Graduada Especialista em Psicologia Hospitalar e da Saúde pelo CEPPS – Centro de Estudos e Pesquisas em Psicologia Hospitalar e da Saúde.

Graduação em Psicologia pela UNIBAN – Universidade Bandeirante de São Paulo.

Formação em Hipnose e Regressão pela SBHH – Sociedade Brasileira de Hipnose e Hipniatria.

Aprimoramento em Psicologia Hospitalar: práticas no Hospital pela UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo/Centro de Estudos Paulista de Psiquiatria

Programa de Educação Continuada em Fisiopatologia e Terapêutica da Dor – pela Disciplina de Anestesiologia da FMUSP

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