Luto é um processo
Por João Victor Santos para Revista Instituto Humanista Unisinos
Para Maria Helena Pereira Franco, a reação a uma perda é algo que segue constantemente as mudanças da sociedade e da cultura.
É um equívoco achar que criança não vivencia luto, afirma a professora Maria Helena Pereira Franco, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Ela passa pela experiência, mas de acordo com seu desenvolvimento. O mesmo ocorre com o adolescente, que “já deve ter integrado o conceito de morte quanto à irreversibilidade (quando morre, não desmorre), à universalidade (todos vamos morrer) e à causalidade (morremos em consequência de uma causa)”. Conforme Maria Helena, “luto é a vivência natural e esperada diante do rompimento de vínculo significativo”, e cada indivíduo vive e compreende o luto de acordo com seu desenvolvimento cognitivo e emocional.
Outro equívoco é tentar entender o luto no presente com uma perspectiva do passado. “O luto é um processo, não é um estado. Ele está, portanto, em constante mudança, exposto e sujeito às mudanças da sociedade e da cultura. Dessa maneira, não podemos considerar que é luto apenas aquele processo que tradicionalmente se identifica como tal”, explica a professora.
Maria Helena Pereira Franco é professora titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, fundadora e coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto – LELu, da PUC-SP. É graduada em Psicologia, mestra e doutora em Psicologia Clínica. Sua tese intitula-se Luto como uma crise familiar: uma abordagem terapêutica e preventiva. Fez estágio pós-doutoral na Universidade de Londres, Inglaterra. Autora do livro A psicoterapia em situações de perdas e lutos (Campinas: Editorial Psy) e organizadora de Uma jornada sobre o luto (Campinas: Editora Livro Pleno Ltda.), Nada sobre mim sem mim: estudos sobre vida e morte (Campinas: Livro Pleno) e Temas em Psico-oncologia (São Paulo: Summus).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – E luto é sempre necessariamente vivido a partir de uma experiência com a morte?
Maria Helena Pereira Franco – O rompimento de um vínculo significativo pode ser por morte, mas também por separação amorosa, afastamento definitivo, aposentadoria, exílio, perda de partes do corpo, perda de funções corporais, entre outros.
IHU On-Line – De que forma o luto é vivido e compreendido em diferentes fases da vida?
Maria Helena Pereira Franco – O desenvolvimento humano nos dá a chave para esta resposta. A criança e o adolescente, considerando-se seu desenvolvimento cognitivo e emocional, vivem e compreendem o luto. Portanto, se dizemos que a criança não sabe o que é luto, estamos cometendo um equívoco importante, por desconsiderar que ela vive um luto, mas de acordo com seu desenvolvimento. O adolescente já deve ter integrado o conceito de morte quanto à irreversibilidade (quando morre, não desmorre), à universalidade (todos vamos morrer) e à causalidade (morremos em consequência de uma causa). O adulto também vive dessa maneira, e o idoso acrescenta a isso questões como perdas vividas, das pessoas que são significativas, como parceiros e amigos, além das perdas do envelhecimento.
IHU On-Line – Como o luto é vivido em diferentes culturas? Ele sempre é associado a tristeza e recolhimento?
Maria Helena Pereira Franco – A diversidade cultural enriquece muito nosso conhecimento sobre o luto. A mescla de história, religião, costumes e crenças sociais, passados de geração a geração, contribuem para criar e manter as características do luto nas diferentes culturas. Pode nem sempre ser associado a tristeza e a recolhimento, daí a cautela em se aproximar de pessoas advindas de outras culturas e respeitar as diferenças para obter uma compreensão correta sobre o luto.
IHU On-Line – Hoje, em meio à correria dos tempos modernos, vivemos o luto de forma abreviada? E o que esses rápidos estados de luto acarretam no confronto com a morte?
Maria Helena Pereira Franco – O luto é um processo, não é um estado. Ele está, portanto, em constante mudança, exposto e sujeito às mudanças da sociedade e da cultura. Dessa maneira, não podemos considerar que é luto apenas aquele processo que tradicionalmente se identifica como tal. Hoje temos o recurso dos velórios virtuais, por exemplo, as pessoas vivem seu luto no âmbito privado e também nas redes sociais. Ou seja: cada um vive o luto à sua maneira, mesmo que inserido em uma cultura que lhe dite regras.
IHU On-Line – A morte hoje está cada vez mais sendo tratada de forma muito asséptica, distante e protocolar? Por quê?
Maria Helena Pereira Franco – O ser humano, nas sociedades ocidentais pós-modernas, busca satisfação imediata de seus desejos, com baixíssima tolerância ao sofrimento que advém em resposta a situações de rupturas, morte e luto. Por esse motivo, entre outros, a morte passa a ser uma inimiga a ser vencida, e não integrante do desenvolvimento humano. Com essa postura, ela passa a ser um fenômeno biológico, médico, científico e distante da vivência humana. Os movimentos iniciados no final do século 20 têm possibilitado um resgate dessa condição humana da morte para aproximar dela o ser humano, que assim pode construir novos significados para vida e morte.
IHU On-Line – Como se dá o enfrentamento da morte por profissionais da saúde e outros profissionais que têm uma perspectiva técnica sobre a morte?
Maria Helena Pereira Franco – Esses profissionais têm extenso e intenso treinamento técnico, assim estando profundamente habilitados nesse ponto de vista, porém apartados do contato com suas experiências pessoais que ressoam na prática profissional. Trata-se de um luto não reconhecido, não validado. Profissionais da saúde podem ter a deformação profissional que os leva a salvar a vida a qualquer custo, passando por cima de suas restrições em razão de períodos sensíveis da vida, como doença em si ou na família, morte de pessoa significativa. Podemos incluir nesta categoria de profissionais com luto não reconhecido os socorristas e os religiosos.
IHU On-Line – No que consiste o conceito de luto antecipatório e como ele pode melhorar a percepção sobre a vida?
Maria Helena Pereira Franco – Luto antecipatório é aquele que tem início quando se tem o diagnóstico de uma doença que põe em risco a manutenção da vida e que acompanha o processo de tratamento e agravamento da doença. Ele possibilita que a família busque resolver pendências, desenvolver habilidades para lidar com a doença, cuidar das relações com a pessoa que está próxima da morte e que esta perceba seu processo de agravamento da doença e da proximidade da morte. Durante a vivência de um luto antecipatório, faz muita diferença a qualidade da comunicação entre paciente, família e equipe de saúde.
IHU On-Line – O que se sabe hoje sobre a somatização da dor da perda? Que relação é possível se fazer com o luto?
Maria Helena Pereira Franco – O ser humano é indivisível em corpo e mente. A vivência do luto se manifesta por diversas formas, inclusive no corpo da pessoa enlutada. Trata-se de uma maneira de expressar no corpo essa vivência, que pode não ter reconhecimento pela expressão direta porque a pessoa não consegue nomear sua experiência, dar palavras a esta experiência fundamental. O problema está em ser equivocadamente diagnosticada para sua queixa corporal, sem consideração à sua experiência de luto.
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