Como a arte me ajudou a superar o luto
Por Keka Consiglio para Isto É.com.br
Em maio de 2019, vivi o maior trauma da minha vida. Meu marido morreu num piscar de olhos, de um ataque cardíaco fulminante. Por 28 anos, vivemos grudados e felizes, mas naquela madrugada lá estava eu diante do amor da minha vida, fechando seus olhos para a eternidade.
Quem conhece a minha história sabe que eu jamais desisto e que quando coloco algo na cabeça vou muito além do possível. A vida me ensinou que para ser feliz é preciso ter muita determinação e coragem. Porém, não imaginava que meus limites seriam novamente testados ao extremo e de uma forma tão cruel para mim.
Quando vivemos grandes traumas, tudo fica preto. Não enxergamos saída, perdermos as forças e o movimento natural é jogar a toalha, mas eu, definitivamente, recuso o carimbo de ‘coitadinha’. Não sou e nunca serei. Tenho a consciência de que, quando alguém se tranca na tristeza, nem nós mesmos nos suportamos. Ficamos horríveis. O mau humor vai comendo nosso fígado, a boca fica amarga e a alma perde o brilho. As pessoas tentam ajudar, mas o lugar mais difícil do mundo é o do outro. Todo mundo se mostra capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente. A saída dessa fase não depende de nada ou de alguém. É uma jornada absolutamente solitária e que só depende de nós mesmos.
Algumas vezes na vida, as pessoas encontram suas caras-metades, que mudam o curso da vida simplesmente por participarem dela. São as pessoas que gostam da gente sem críticas, que nos fazem rir sem parar e mostram que, realmente, temos coisas muito boas no mundo. Harvard diz que o segredo da felicidade é ter relacionamentos fortes. Tenho a imensa alegria de ter muitos amigos que sempre me iluminaram nessa jornada e o Joaquim, sem dúvida, era a pessoa mais importante nessa lista de queridos.
Não tenho receio de morrer. Tenho medo de não conseguir viver plenamente. Por isso, vivo intensamente como se fosse falecer amanhã, sem perder um minuto sequer com bobagens. Entendo que não existe um caminho para a felicidade e que a própria felicidade é o caminho. Então, sempre acelerei ao máximo –usando a coragem como combustível– rumo aos meus sonhos e procurando recomeçar mais forte após cada problema, seja ele pessoal ou profissional. Mas, àquela madrugada de maio foi demais para mim.
A arte permitiu a retomada da estrada da minha vida, a encher meu coração de alegria e a iluminar a minha alma. Foi a vontade de ir ao ateliê de cerâmica que me ajudou a sair de casa pela primeira vez após o falecimento. Usei a fórmula indicada por Fernando Pessoa: a arte anima e é vital para a vida. Comecei a produzir loucamente cerâmicas, esculturas e quadros maravilhosos com tinta acrílica e técnica mista (sou mesmo marqueteira – risos!). Ele dizia, também, que a literatura é a maneira mais agradável de ignorar as rotinas da vida, pois nos leva para o campo do imaginário.
Testar técnicas e novas formas de arte tem me ensinado a encarar paradigmas sob um novo ângulo e a incluir outras verdades na minha vida. Pensar de uma forma sistêmica me ajudou a ser ainda mais flexível e a encontrar novas saídas, trocando ‘ou’ por ‘e’. Hoje, enxergo além e ajudo meu coração a crescer, com mais brilho. Inspirada em Gandhi, digo que a minha fé sai das densas trevas e resplandece com muita energia, pois a vida é curta. Rir sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade e, definitivamente, não precisamos de crises para descobrir importância e o real significado da vida. Que a arte ajude todos a encontrarem cor em suas almas e os melhores caminhos para suas novas jornadas pessoais!
Comecei a escrever três vezes por semana para a ISTOÉ, como colunista de arte. Os textos me ajudam a contemplar arte todos os dias e a viajar virtualmente por museus e obras primas que tanto amo. Os comentários deliciosos dos leitores me fazem ignorar as horas de lazer de final de semana que dedico para a produção dos materiais e me relembram a cada minuto que, sem arte, a vida é um grande erro.
Eu mergulho no universo da arte desde criança como estudante e espectadora. Porém, decidi mudar de posição. Estudei diferentes técnicas ao longo da última década e me redescobri agora, como artista plástica. Que alegria que tenho com essa transformação. Estou super feliz com o meu trabalho, com a minha narrativa e com a coragem de criar explorando todas as cores da paleta. Vendi várias obras mesmo no meio da quarentena e sonho com uma infinidade de exposições.
Fala-se muito de crescimento e sucesso, mas pouco li sobre a dor da perda, da morte, do luto e sobre como conseguir coragem para deixar partir quem um dia foi o nosso oxigênio. A arte é a minha resposta para isso e minha bússola para a felicidade. Oscar Wilde dizia que viver é a coisa mais rara do mundo e a maioria das pessoas apenas existe. Sem dúvida, ao buscar novas perspectivas e tentar sair da zona de conforto descobrimos novas coisas sobre nós mesmos.
Acredito que as nossas histórias de sucesso são o que temos de mais poderoso, assim como nossas batalhas e fracassos. É importante estarmos abertos a novas experiências, nunca deixando que os céticos atrapalhem o caminho. Por isso, estou certa de que aos 50 anos mergulho na profissão de artista plástica entrando pela porta da frente. Há quem diga que estou velha para isso, mas as pessoas bem sucedidas que conheço são as que encontraram um jeito de superar desafios, desviar de problemas e conviver com as críticas, seguindo sempre em frente rumo aos seus objetivos, independentemente da idade ou dos obstáculos.
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