Cuidados Paliativos: benefícios, barreiras e desafios
Por Nazaré Jacobucci para Blog Perdas e Luto
“Cuidar é dar lugar dentro de mim ao sofrimento do outro” (Donald Woods Winnicott)
No segundo sábado de outubro de cada ano comemora-se o Dia Mundial de Cuidados Paliativos que, neste ano, foi comemorado no dia 09 de outubro. A data é marcada por ações unificadas para comemorar e apoiar os Cuidados Paliativos em todo o mundo. De acordo com a Worldwide Hospice Palliative Care Alliance (WHPCA), o tema escolhido para o Dia Mundial de Cuidados Paliativos deste ano foi “Não deixe ninguém para trás – Equidade no acesso aos Cuidados Paliativos”, com o objetivo de fazer um apelo para o acesso equitativo de toda e qualquer pessoa a esta modalidade de cuidado que traz qualidade de vida, conforto e dignidade. Os cuidados paliativos são oferecidos em diversos serviços hospitalares ao redor do mundo e tem como objetivo central amenizar a dor e o sofrimento – sejam eles de origem física, psicológica, social ou espiritual – do indivíduo com uma doença sem possibilidade terapêutica de cura e/ou doença crônica. No entanto, infelizmente ainda temos algumas ideias erroneamente propagadas sobre esta forma de cuidar.
Gostaria de antemão reafirmar que os cuidados paliativos não são de forma alguma uma “espécie” de eutanásia, como declarou o senador e médico Otto Alencar em seu discurso no Senado Federal do Brasil em 22.09.21. Essa fala do senador Otto denota um total desconhecimento sobre a especialidade multiprofissional denominada cuidados paliativos e, consequentemente sobre a prática de milhares de profissionais paliativistas ao redor do mundo. Nesse sentido, quero com este post ampliar o conhecimento dos meus leitores sobre aos cuidados paliativos, que são tão necessários em todas as frentes da sociedade.
De acordo com a definição da OMS (Organização Mundial de Saúde) de 2002, o cuidado paliativo é a assistência prestada a pacientes que possuem uma doença ameaçadora da vida e sem possibilidades terapêutica de cura e/ou doença crônica, por meio de prevenção e alívio do sofrimento, através de avaliação precoce e tratamento impecável da dor e dos aspectos psíquicos, sociais e espirituais. Um dos pilares dos cuidados paliativos é respeitar a vida e entender a morte como um fenômeno natural em processo de doença grave; não antecipar a morte (o que seria eutanásia) e nem prolongar a vida de forma indefinida (o que seria distanásia). Considera a vontade e os valores do paciente e sua família por meio de uma comunicação clara e constante. Procura não expor o paciente a procedimentos e intervenções que não tenham um objetivo claro de diminuir sintomas e aliviar sofrimento. Deve ser prestado por uma equipe multidisciplinar, que irá trabalhar para promover o conforto e a melhoria na qualidade de vida de quem está enfermo e de sua família e amigos.
Há uma série de evidências de que para pacientes com doença grave, o recebimento de cuidados paliativos traz ao paciente inúmeros benefícios. Vários estudos de programas de cuidados paliativos em diferentes países e sistemas de saúde mostram que os cuidados paliativos podem melhorar os resultados dos pacientes, incluindo controle de sintomas e qualidade de vida, e desfechos para o cuidador, como redução do estresse e luto complicado. Além disso, a maioria dos estudos mostram pelo menos a neutralidade de custos, com muitos mostrando uma redução substancial de custos por transferência do paciente do ambiente hospitalar para os seus locais preferidos — em casa ou em hospices.
No entanto, mesmo trazendo benefícios, os serviços de cuidados paliativos ainda não estão disponíveis para todos os pacientes com doenças crônicas graves, mesmo em sistemas de alto recurso, como Reino Unido e Estados Unidos. Quase um terço dos hospitais americanos com mais de 50 leitos não possuem nenhum serviço de cuidados paliativos. Mesmo onde há programas integrados de cuidados paliativos, os encaminhamentos nem sempre estão indo na direção que maximizaria os benefícios. Infelizmente as organizações de saúde não estão investindo recursos no desenvolvimento de serviços integrados de cuidados paliativos. Há algumas razões para este não encaminhamento: falta de recursos para se referir; ignorância sobre o que é cuidados paliativos; relutância em referir o paciente para uma equipe de cuidados paliativos multiprofissional; relutância dos pacientes e/ou da família a serem encaminhados, e critérios restritivos de elegibilidade do programa de cuidados paliativos especializados.
utra questão que representa um grande desafio para os cuidados paliativos é a equidade nesta modalidade do cuidar. De acordo com a OMS, 40 milhões de pessoas necessitam desse cuidado a cada ano. Entretanto, estima-se que globalmente apenas 14% dos pacientes que necessitam de cuidados paliativos o recebam e 78% de pessoas adultas que necessitam de cuidados paliativos vivem em países de baixa e média renda. Segundo Hawley, em sistemas de saúde de países de baixa renda, pode haver barreiras administrativas adicionais à prestação de cuidados paliativos, particularmente em torno do acesso a opióides. Os opióides são uma ferramenta essencial para fornecer um tratamento adequado da dor, e todos os países devem garantir o acesso a mais de um opióides e analgésicos adjuvantes apropriados.
A relutância dos pacientes e seus familiares para serem referenciados para um serviço de cuidados paliativos também se apresenta como um outro desafio. Um dos tópicos comuns para essa relutância é a associação dos cuidados paliativos com a morte. Segundo Hawley, há um “pensamento mágico” que é a ideia de que evitar falar sobre a morte permitirá evitar a própria morte ou que discutir a morte pode trazer “algo ruim”. Também pode haver ansiedade de separação, com relutância em perder uma relação alicerçada com a equipe médica que o paciente está familiarizado.
Como podemos observar, os cuidados paliativos possuem enormes desafios a serem discutidos para que possa se tornar uma modalidade elegível de cuidado em diversos sistemas de saúde. De acordo com Hawley, devemos focar nos benefícios da integração precoce dos cuidados paliativos ao manejo de doenças crônicas, enfatizando o atendimento de qualidade para pessoas que vivem com doenças crônicas graves e para usar nossos fundos públicos de maneira mais responsável e econômica possível. Muitas pessoas com o poder de causar um impacto positivo não entendem o que é o cuidado paliativo moderno, e as oportunidades de aliviar o sofrimento de forma digna e econômica estão sendo perdidas.
E por fim, certamente, estudantes e residentes raramente têm acesso ao ensino de cuidados paliativos em muitos programas de medicina e isso dificulta que os futuros médicos entendam o que acontece em um ambiente especializado de cuidados paliativos. Por isso, é importante que as equipes de cuidados paliativos interajam com seus colegas em outras especialidades regularmente, participando de reuniões clínicas, ensinando e participando do trabalho da comissão de bioética de sua instituição. Isso pode ser desafiador quando somado às responsabilidades de profissionais que já estão sobrecarregados com o trabalho clínico. Mas se faz necessário.
Mas se quisermos fazer uma mudança substancial na forma como a assistência à saúde aos pacientes com doenças graves e crônicas é prestada, então, o momento é esse. É o momento para implementarmos e integrarmos os serviços de cuidados paliativos ao sistema de saúde, seja público ou privado, para que nossos pacientes vivam com dignidade física, mental e espiritual até o fim. Na verdade, seria irresponsável não mudar!
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