Dica de Cinema: SHIVÁ – UMA SEMANA E UM DIA
Passada a crise
por Bruno Carmelo
Na religião judaica, o Shivá corresponde à semana de luto em que os familiares permanecem unidos, em casa, honrando a memória do falecido. Passado este período, todos retornam a seus afazeres. O primeiro ponto de interesse desta comédia dramática é pular o período “oficial” de luto e se concentrar em um dia único, o primeiro após o término da Shivá. Como retomar a rotina se as feridas da perda de um filho continuam abertas?
O diretor Asaph Polonsky toma a decisão arriscada de enveredar pela comédia de costumes, refletindo o caráter subversivo da dor dentro do decoro da religião. Assim, o pai Eyal (Shai Avivi) finge que vai trabalhar, mas permanece em casa, e gasta um tempo considerável aprendendo a fumar maconha. A esposa, Vicky (Evgenia Dodina), tenta voltar à escola onde leciona como se nada tivesse acontecido, mas vê que os demais funcionários não estão prontos para o seu retorno. Paira a sensação de deslocamento: ninguém está preparado para lidar com a morte, e ainda menos com o luto ou o fim do mesmo.
O roteiro investe na criação de gags que provocam o riso pelo caráter inesperado de seu desenvolvimento, com destaque para o baseado que Eyal não consegue enrolar, os gatinhos encontrados num vaso, a consulta ao dentista, a prova não aplicada aos alunos e a salada oferecida pelos vizinhos. São elementos banais, porém transformados em alívios cômicos de modo simples, minimalista. Estes elementos despertam ao mesmo tempo amor e ódio nos pais que acabam de enterrar o filho. Talvez o luto se resuma a isso: uma confluência inesperada entre o afeto profundo e a raiva incontrolável.
O projeto funciona graças aos dois atores principais, sóbrios em seus registros. Ambos constroem figuras em transformação: Shai Avivi subverte a figura patriarcal típica ao transformar Eyal num homem subitamente imaturo após o luto, enquanto a brilhante Evgenia Dodina transmite à perfeição a ideia de uma mulher autoritária, mas cansada de brigar durante o período de sua dor. Ela passa, portanto, a tolerar as extravagâncias do marido. Na adversidade, eles se equilibram: é comovente ver o tempo precioso dedicado aos silêncios e beijos furtivos do casal. Apesar de tudo, existe uma comunhão imperturbável no silêncio.
A história talvez seja prejudicada pela intromissão do jovem vizinho Zooler (Tomer Kapon), espécie de filho postiço na vida de ambos. O garoto torna-se pouco mais que a caricatura do maconheiro irresponsável, dançando e fazendo palhaçadas em cada cena. Sua função no projeto é evidente: ele equilibra o tom soturno dos protagonistas, enquanto uma garotinha encontrada no hospital serve para trazer doçura aos momentos amargos. No entanto, ambos soam acessórios, demasiadamente superficiais em relação ao casal de meia-idade.
Quando Polonsky investe na lúdica cena de uma cirurgia a seis mãos, adentramos uma espécie de pastiche do cinema indie norte-americano, no qual pessoas fracassadas se encontram e aprendem a se amar. Apesar das fórmulas e de algumas piadas esticadas em excesso, Shivá consegue abordar com leveza e respeito a temática do luto. A comparação entre o absurdo da morte e o absurdo das regras sociais gera uma reflexão mais densa do que poderia aparentar.
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