Dor, choro e dias cinzas: como encarar o luto e lidar com a perda de alguém
Por Alan Alex para Site Revista Painel Político
Luana perdeu o marido há sete meses e ainda tenta retomar a rotina; especialistas explicam o que fazer para aliviar a dor e o sofrimento
A auxiliar de faturamento Luana Medeiros, de 37 anos, se casou com Marcos em 1999. No ano seguinte, deu à luz ao primeiro filho do casal e, dez anos depois, ficou grávida de uma menina. Durante todos esses anos, Luana conta que ela e o marido se davam muito bem. “Nossa união era admirada por todos”, destaca.
Há sete meses, ela passou por um momento complicado em sua vida: a morte do marido . Marcos morava em Guarulhos e trabalhava a aproximadamente 70 km de casa, em Araçariguama. Por conta da distância, ele ia de moto ao trabalho para chegar mais rápido. “Ficava com o coração na mão até ele chegar e eu ter certeza que estava tudo bem”, pontua.
Em 25 de março deste ano, Luana recebeu uma ligação, pela manhã, de um hospital em Barueri, informando que seu marido estava lá e precisavam de alguém da família. “Meu coração já começou a acelerar e fiquei sem reação. Como vemos em novelas e filmes, quando pede um familiar é que algo que não queremos aceitar aconteceu”, destaca.
Junto com a cunhada, o cunhado e o filho, ela foi até o local. “Quando chegamos, eu não aceitava nenhuma informação negativa. Queria ver ele ali e, então, me aliviar em saber que foi só um acidente, mas não. A médica veio falar com a gente e deu a notícia. Eu não queria acreditar”, diz.
“Nesse momento, eu não ouvia mais nada. Só gritava e chorava desesperada. Uma dor que não desejo para ninguém. Como assim? Ele se despediu pela manhã para ir trabalhar, me beijou e disse que a noite íamos sair. E, de repente, tudo mudou. Minha vida se transformou em segundos. Eu não aceitava e até hoje é difícil de aceitar”, desabafa.
“Saber que aquela moto que levava e trazia meu amor todos os dias o levou. Ele sempre dizia que só tinha a moto por causa do trabalho e que, assim que se aposentasse, ele a venderia. Este ano, ele faria 50 anos e estava tudo preparado para a festa dele, mas Deus não permitiu, quis que ele comemorasse com ele no céu”, continua.
“Parece que metade de mim se foi com ele”
Luana conta que o marido sempre foi uma pessoa incrível, acolhedora e amiga. “Sinto muita falta dele. Ele me transmitia segurança, proteção, amor. Foram 24 anos juntos. Não tem um dia que eu não choro, respiro e sigo. Dói, dói demais. Parece que metade de mim se foi com ele. Os dias estão cinzentos”, alega.
“Com ele aqui, era tudo diferente. Tinha ânimo para tudo para fazer as coisas, para sair. Hoje, não tenho vontade de nada. E vou vivendo dia após dias sem planos para nada. Só confiando em Deus e tendo a certeza que a vida continua do outro lado e fico no aguardo do reencontro”, ressalta.
Para lidar com a dor e o luto, Luana procurou um psicólogo e fez algumas sessões. “Me ajudaram bastante, mas a saudade que dói mesmo”, diz. O que lhe ajudou também foi o espiritismo. “Procurei uma casa espírita. Uma semana antes de tudo acontecer, eu comentei com o Marcos que gostaria de conhecer. Ele tinha uma grande admiração pelo Chico Xavier”, diz.
Mas não deu tempo deles irem. “Por esse motivo, depois de tudo, fui conhecer e entender um pouco sobre o que acontece depois da morte. Fiz um tratamento espiritual por oito semanas. As palestras são muito edificantes”, pontua. “Vou indo dia após dia na esperança de aliviar essa dor da saudade que tanto dói”, finaliza.
A importância do luto
Antes de tudo, é necessário entender que o luto é um processo importante e fundamental para reunir forças para lidar com a perda e falta do ente querido “Durante essa fase, é essencial ter espaço e tempo para sofrer, chorar e externar os sentimentos de tristeza”, ressalta Triana Portal, psicóloga e membro da Sociedade Brasileira de Psicologia.
Para Pollyanna Esteves, psicoterapeuta especializada em hipnose e pós-trauma, o luto tem que ser vivido para que a pessoa possa se livrar do sentimento. “Se a pessoa tenta ignorá-lo e seguir como se nada tivesse acontecido, ela faz isso conscientemente. Porém, no inconsciente, aquele luto existe. Se não viver e não deixar sair, vai ter consequências graves”, pontua.
Os casos de mortes que fogem ao ciclo da vida são os que trazem mais dificuldade de serem superados, como a perda de um filho, casos de suicídio, acidentes e tragédias, por exemplo. Nessas situações, há além da dor da perda, um misto de sentimentos que vem à tona, como arrependimento, raiva e inconformismo.
Plinio de Souza, especialista em Programação Neurolinguística (PNL), defende que a tristeza faz parte da vida e serve como experiência. “O luto nos deixa mais atentos aos perigos e nos faz repensar valores, fazendo com que a gente viva uma vida melhor com a decisão de viver mais o amor, de dar mais atenção às pessoas queridas, de se cuidar mais, de se preservar de algumas coisas”, diz
Segundo Carla Bianca Salcedo, terapeuta do luto do Espaço Vivacità, a sociedade moderna não possui a cultura da morte e ainda a vê como tabu e como “grande tragédia da vida”. “Muitos vivem como se fossem eternos e possuem dificuldade de valorizar o corriqueiro e simples. Isto torna difícil o enfrentamento da morte”, pontua.
Souza destaca que a aceitação da morte é desafiante e, para algumas pessoas, esse processo pode demorar mais. “Alguns elaboram o luto por décadas, vivem no passado, relembrando momentos da pessoa que se foi e ficam estáticos. Cada um tem seu tempo para aceitar uma perda. Porém, algumas pessoas acabam ficando presas no período da negação”, afirma.
5 fases do luto
O luto está ligado a todas as situações de perdas, crises e mudanças abruptas e, geralmente, ele é dividido em cinco fases. “Os estágios são experimentados em todos os processos de luto, mas não ocorrem necessariamente na mesma ordem, justamente por ser algo individual”, diz Priscila Gasparini Fernandes, psicanalista com especialização em neuropsicologia pela USP.
1. Negação
“É um estado de choque. Costuma-se dizer que é quando “ainda não caiu a ficha”, como se a pessoa estivesse anestesiada. A negação é uma defesa psíquica, um mecanismo inconsciente para evitar a dor. A pessoa não consegue acreditar no que aconteceu, se blinda, acha que é um sonho, que vai acordar e que aquilo tudo foi um pesadelo”, pontua Triana Portal.
2. Raiva
Nessa fase, a pessoa fica hostil, pode perder a fé, sente-se injustiçada, vitimada, não merecedora de tanta dor. Pode ter raiva até da pessoa que faleceu e por vezes sonha que está brigando com o falecido.
3. Barganha
Aqui, a pessoa, principalmente quando é religiosa, faz promessas para Deus para que as coisas voltem a ser como eram. É mais uma vez a marca do desespero pela situação. Se a pessoa ainda não morreu e está em estágio terminal, por exemplo, pede aos profissionais de saúde pela cura.
Alguns pensamentos, como “Se Deus a trouxer de volta eu serei mais generoso, mais gentil” são recorrentes. O risco, nesse caso, é quando o enlutado percebe que essa negociação não terá efeito, o que gera frustração e isso, por sua vez, desestabiliza sua saúde emocional.
4. Depressão
É quando a pessoa incorpora a perda, aceita que não há volta, que ela terá que aprender a viver com essa falta, com a saudade do ente querido que se foi, diante de uma tristeza profunda. Nesse fase, o apoio psicológico é fundamental. A pessoa precisa falar e ser ouvida.
5. Aceitação
Depois das lágrimas, dor, isolamento, raiva, sofrimento, é hora de seguir a vida e aceitar a saudade, as lembranças, cuidar dos que ficaram, dos que precisam da sua ajuda, do trabalho, da casa, das finanças, da própria saúde. A pessoa retoma sua fé e atividades.
“Cada pessoa encontrará o seu caminho de aceitação do luto, pois não há uma fórmula pronta, já que estamos lidando com emoções”, pontua Priscila. No entanto, mesmo após a fase de aceitação, algumas situações do dia dia podem resgatar sentimentos que pareciam estar superados, como um lugar, uma música ou uma imagem.
Vale ressaltar que isso, por sua vez, não indica que houve um retrocesso, mas, na verdade, que há um sentimento que não foi esquecido. “Cada indivíduo passa por essas etapas de uma forma diferente e a terapia deve ser um apoio para que a elaboração do luto seja um processo menos doloroso”, destaca Priscila.
Quando é hora de procurar ajuda?
Cada um tem seu ritmo e o tempo de luto pode variar, mas quando a perda já aconteceu faz tempo e a pessoa que perdeu o ente querido não consegue seguir a vida, busca respostas, vive no passado, não se envolve com outras pessoas e sente culpa, por exemplo, é hora de procurar ajuda profissional.
Tristeza extrema e crises de choro são outros sinais que o enlutado pode apresentar. Diante disso, quando o luto é complicado e a pessoa não consegue lidar com a dor e superar a perda, o período de um mês até dois anos da morte, ela pode desenvolver o transtorno do estresse pós-traumático.
“A pessoa fica revivendo a cena da morte, da perda e todos aqueles sentimentos fortes e tristes. Aquilo parece que não sai da mente e fica rodeando os pensamentos. Isso é comum quando uma pessoa vivencia a morte da outra ou o processo de morte. Pode acontecer também da pessoa ficar relembrando do momento em que soube da morte do outro”, diz Souza.
“O desconforto, a angústia de lidar com a morte é evitada a qualquer custo. Isso faz com estejamos cada vez menos preparados para lidar com a perda, para falar sobre ela, para ajudar uma pessoa enlutada. Os enlutados estão sempre muitos sós, pois falar sobre morte é associado a tristeza, morbidez, medo”, destaca a psicóloga Triana Portal.
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