Luto paterno: a dor do homem perder um filho cedo nem sempre é respeitada
Por Carolina Prado e Simone Cunha
Para Site Universa
Diante da perda precoce de um filho, é comum um pai ser cobrado para ter uma postura firme, não ceder à tristeza, para poder apoiar a mulher sensibilizada, no caminho da superação do trauma. Porém, eles também sofrem, precisam de ajuda e atenção nesse momento delicado. A seguir, pais que vivenciaram o luto contam como o enfrentaram e como lidaram com as cobranças externas.
“Minha filha Joana viveu apenas seis dias, na CTI, devido a complicações no momento do parto. Ela teve uma parada cardiorrespiratória e faleceu. É claro que foi um sofrimento para mim, mas percebi que as pessoas não enxergam o pai como alguém que perdeu um filho também. Devido ao machismo, o que se espera é que o homem não chore, que seja forte para cuidar da mulher. No luto pela minha filha, vi como esse machismo também me afeta, foi como um tapa na cara. Muitos homens, por conta disso, negam seus próprios sentimentos e deixam de enxergá-los. Mas isso só faz prorrogar essa vivência, porque uma hora a dor fala mais alto. Eu já fazia psicoterapia e, nesse período, ela me ajudou muito a despertar para o meu luto, olhar para as minhas próprias questões. As pessoas têm dificuldade de lidar com o luto e, na tentativa de ajudar, falam coisas que machucam, como: ‘Já passou um tempo, você precisa superar e ter outro filho’. Mas um filho não anula o outro. Nem a morte é capaz de revogar a paternidade. Não creio que superei o luto, mas aprendi a lidar com ele. E participar de um trabalho voltado para essa questão, hoje, me faz reconectar com a minha filha”.
Daniel Carvalho Pereira*, 37 anos, professor e integrante do grupo A.L.Ma (Apoio ao Luto Masculino), um projeto do SOMOS – Elisabeth Kübler-Ross Foundation Brasil.
“Meu filho Matheus sofreu um sufocamento no processo do parto e já nasceu morto. Por isso, as pessoas não o viam como um integrante da família, como se a morte do feto tivesse menor peso do que o de uma criança pequena. Elas buscavam nos animar com a expectativa de uma nova gravidez de uma adoção. As atenções se voltavam para a mãe e eu me sentia esquecido. Acho que isso acontece porque o próprio pai, muitas vezes, não permite que seus sentimentos se tornem visíveis e audíveis, porque é esperado que ele seja mais forte. Mas, no momento da perda, eu também me senti frágil, foi uma espécie de fim de mundo, todos os meus sonhos foram varridos do mapa. Felizmente, minha religião me deu bastante apoio para suportar o que ocorreu. A minha perspectiva sobre vida e morte me deu suporte para aceitar sem revolta a morte de Matheus”.
João Roberto Abraham Silva Souza, 38 anos, professor.
“São raríssimas as pessoas que respeitam o luto gestacional, como o que eu vivi. Meu filho Klaus faleceu no sexto mês de gestação, devido a uma pré-eclâmpsia da minha mulher. Mas, para muitos, se não houve a convivência, não há luto. Esse é o primeiro ponto. Além disso, a compaixão é praticamente única e exclusiva para a mãe. Só que a dor é do casal. A sociedade ainda cobra do homem que seja forte, que não chore. Mas é preciso deixar bem claro que isso não é verdade, abrir o coração, para que outros pais possam externar seus sentimentos e suas dores, sem medo nem vergonha. Para mim, foi um baque muito grande, uma dor imensa. Meu luto foi muito mais íntimo do que aparente e, com o tempo, a dor foi se transformando em lembrança, saudade e tristeza. Minha mulher descobriu o grupo ‘Do Luto à Luta” e decidiu conhecer, fui acompanhá-la e acabei recebendo essa ajuda, percebi que também poderia ter voz”.
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