O luto é contraproducente para a evolução humana. Então porque continuamos a fazê-lo?
Por ZAP (PT)
A necessidade que o ser humano tem de se aproximar de outros para mais facilmente ultrapassar a dor inerente ao processo de luto é uma das principais vantagens desta fase, apontam os especialistas.
O luto é uma das fases mais duras pelas quais o ser humano passa, abalando-o psicologica e fisicamente. A ciência já provou que quem passou por uma perda recente tem mais probabilidade de sofrer sofrer problemas de saúde e até morrer nas semanas ou meses seguintes. Mas se o processo de evolução humano tem em vista a sobrevivência e se o luto é um processo tão debilitante porque é que desenvolvemos este traço?
Uma das justificações mais populares remete para a infância, quando o ser humano é mais novo e vulnerável, formando fortes relações e mantendo-se mais próximo de outros indivíduos — o que aumenta as hipóteses de sobrevivência. As reações e fases identificadas durante os períodos de adulto em períodos de luto são até semelhantes aos das crianças que, numa idade de grande dependência, são separadas das mães. Há uma fase de “protesto” seguido de um período de “retirada” conhecido como “desespero”.
A referida fase de “protesto” também já foi identificada em pessoas de luto, sobretudo em comportamentos como a necessidade de encontrar ou ver os corpos das pessoas falecidas, pensarem que viram o familiar vivo já depois do óbito ou passarem a acreditar em fantasmas.
Esta vontade de procurar alguém que já morreu pode parecer algo inútil, mas no passado pode ter sido diferente — sobretudo se considerarmos a evolução humana. “Se fores um caçador coletor e o teu filho de três anos desaparece, não vais apenas dizer “Que azar!”. Vais continuar à procura do teu filho durante dias, semanas ou anos, não vais desistir, explicou Randolph Nesse, da Universidade do Estado do Arizona.
De forma mais contra-intuitiva, a fase do desespero retirado também pode ter um propósito, por exemplo, o de nos desconectar do passado e ajudar a alcançar um novo futuro. “Em termos evolutivos, não haveria valor em alguém ser celibatário para o resto das suas vidas”, descreve John Wilson da Universidade de York St John University, no Reino Unido. Fazendo o luto das nossas perdas, acabamos por seguir em frente delas, entende.
Há ainda outros fatores que dão ao luto um valor de sobrevivência mais alto do que é habitualmente percetível. Uma mãe cujo filho se afoga quando o deixa ir fazer surf é uma mãe que não voltará a repetir o mesmo erro — assim como outros pais que partilhem da mesma dor. Os comportamentos associados ao luto, como o choro, podem também ajudar a conseguir apoio dos outros em períodos nos quais se está sozinho — com as hipóteses de um óbito causado por este sofrimento a decrescerem consideravelmente.
Outra questão frequentemente evocada quando o tema é o luto é o porquê de as pessoas enfrentarem esta fase de forma diferente. Num estudo que contou com a participação de 1500 indivíduos que recentemente perderam pessoas próximas, Nesse e a sua equipa chegaram à conclusão que um terço dos participantes não passa pelo processo e luto tradicional.
O investigador acredita que isto se deve ao facto de a evolução ser um instrumento pouco preciso. “A selecção natural dá forma a coisas que são, na melhor das hipóteses, manipuladas por um júri. Não é um sistema afinado”, explica.
Ainda assim, nem toda a gente compra a ideia que o luto beneficia o projeto evolutivo. John Archer, psicólogo da Universidade de Central Lancashire, acredita que este é um epifenómeno — sintoma que sobrevém numa doença já declarada— acidental que resulta de uma junção de comportamentos de união que a seleção natural ainda não encontrou forma de descartar.
O último e verdadeiro teste desta ideia seria a invenção de um medicamento que eliminasse a totalidade da dor. A confirmar-se a suspeita do epifenómeno, o medicamento não teria desvantagens. Por isso, Nesse aponta que este seria um caminho tão inútil como inventar um medicamento que acabasse com todos os tipos de dor, já que, na opinião do próprio as pessoas que não experimentam dor estão geralmente mortas quando chegam aos 30.