Os porquês do luto frente a um suicídio
Por Raul Tibaldi para a Gazeta Digital
A perda de alguém significativo pode ser, por si só, uma das mais dolorosas experiências da vida. Quando se trata de uma morte deliberada e autodirecionada, o luto geralmente ganha contornos específicos, que podem complicar o desenvolvimento desse processo. Nesse sentido, três perguntas importantes são recorrentes entre enlutados por suicídio.
“Por que você fez aquilo?” Assim como é difícil entender como alguém foi capaz de cometer um ato considerado antinatural, nem sempre uma pessoa dá sinais explícitos de que pretende fazer isso. Os sentimentos, pensamentos, fatos e outros elementos que podem ter contribuído para a consumação de um suicídio são algumas das principais informações que o enlutado gostaria de saber, na tentativa, infelizmente muitas vezes frustrada, de encontrar uma explicação plausível para o que aconteceu.
“Por que eu não fiz nada para impedir?” Um dos possíveis desdobramentos dessa falta de informação é uma mistura de autorrecriminação e culpa que não parece tão simples de ignorar. Em algumas situações, o suicídio chega a ser interpretado como um modo de punição, aumentando a sensação de responsabilidade pelo ocorrido. Em outras, o enlutado se volta para pessoas, comunidades ou instituições, por exemplo, questionando-as sobre a possibilidade de ter impedido aquela perda irreversível. Por essas e outras, a raiva também se mostra mais frequente nesse tipo de luto.
“Por que você fez isso comigo?” Além da tristeza, é compreensível sentir raiva diante da sensação de abandono pela pessoa que se matou. Além do pesar, é compreensível sentir mágoa por não ter sido poupado dessa ruptura brusca e inesperada da vida. Além do caos, desequilíbrio e impotência, o suicídio também pode obrigar um enlutado a lidar com dois sentimentos peculiares: o medo de se ver tentado a cometer o mesmo ato e a vergonha pelo tabu desse tipo de morte.
O suicídio ainda é bastante estigmatizado, apesar de não deixarmos de discutir (e opinar) sobre ele quando acontece. Consequentemente, o luto numa situação como essa é vivido em meio ao julgamento, mas também ao silêncio constrangido dos outros – e de si mesmo.
Por isso, o apoio psicológico pode se mostrar útil nesse contexto, já que um dos objetivos de um psicólogo é construir e manter, junto com a pessoa enlutada, um espaço seguro e isento de intervenções moralizantes. Dessa forma, ela poderá compartilhar a própria dor, reconhecer sentimentos e receber informações adequadas sobre o processo de luto.
Ainda que seja impossível encontrar todas as respostas para aquelas perguntas, que seja possível, ao menos, facilitar novos questionamentos. Como viver apesar do sofrimento? Quem eu me tornei ou gostaria de ser depois de tudo? Diferente das circunstâncias passadas ligadas a um suicídio, as possibilidades de um novo futuro não precisam permanecer para sempre um mistério.
Raul Tibaldi é psicólogo clínico (CRP 18/04898) com aprofundamento em intervenções em situações de perdas, lutos e adoecimentos graves ou crônicos. Instagram: @logospsicba.
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