Pequeno manual de instruções para o luto infantil
Por Raul Tibaldi para MidiaNews
Talvez elas até não entendam com exatidão esses acontecimentos
Leia as instruções a seguir com atenção. O jogo começa quando a criança perde alguém ou algo e sente como se estivesse diante de um quebra-cabeça. O objetivo do jogo é montar uma imagem completa conforme a situação.
Cada tabuleiro é composto por diferentes formatos e número de peças e a recomendação é de que a criança sempre jogue com alguém.
Um erro comum dos adultos é pensar que as crianças não percebem o que está acontecendo quando alguém próximo a elas vai embora, está muito doente ou morre, por exemplo.
Talvez elas até não entendam com exatidão esses acontecimentos, mas essa percepção ocorre ao menos em alguma medida.
Geralmente, isso pode ser notado por meio de alterações comportamentais como repetição de pesadelos, insônia, voltar a fazer xixi na cama, irritabilidade exagerada e frequente, falta de interesse por atividades antes prazerosas, imitação de gestos de uma pessoa, medo e ansiedade intensos ao se distanciar de alguém, tristeza aparentemente sem causa, entre outras.
Ou seja, as crianças reagem emocionalmente a uma separação ou perda, embora nem todas já tenham atingido um desenvolvimento cognitivo suficiente para compreender coisas como o divórcio ou a morte. No caso da finitude especificamente, elas levam algum tempo para entender que todo mundo um dia morre, que o corpo para de funcionar completamente quando isso acontece e que é impossível voltar à vida depois disso.
Apesar de essa evolução depender de fatores como idade, educação e cultura, os adultos podem ajudar as crianças com duas peças fundamentais: comunicação e consistência.
A primeira significa apoiá-las a expressar sentimentos e fazer perguntas sobre a perda e a segunda, continuar proporcionando a satisfação de necessidades como se alimentar, brincar e ir à escola. Elas tendem a lidar melhor com o próprio luto quando recebem informações adequadas sobre o que aconteceu e quando não têm a rotina delas significativamente alterada.
Com isso, elas podem ir juntando as várias pecinhas que talvez estejam faltando nesse quebra-cabeça: quem vai cuidar de mim? Será que eu causei a morte do vovô ou a separação dos meus pais?
Se eu for visitar a mamãe no hospital, eu também pegarei o câncer? O que será que acontece nesse tal de funeral? Será que a vovó consegue fazer xixi no céu? Um dia eu vou me esquecer deles?
Com crianças mais novas, respostas verdadeiras, simples e diretas normalmente são suficientes; à medida que envelhecem, mais detalhes podem ser úteis, se necessários.
O luto não leva necessariamente a traumas ou complicações, desde que possamos contar com o devido apoio para integrá-lo as nossas vidas.
Isso pode ser feito por meio de músicas, livros, filmes ou jogos, na escola ou em casa, além da ajuda pontual e especializada de um psicólogo. No jogo do quebra-cabeça do luto infantil, ganha quem tem todas as peças de que precisa.
Raul Tibaldi é psicólogo clínico.