A primeira vez que a dra Mannix, então uma jovem médica, compreendeu o processo de morrer foi uma experiência definidora. A paciente era octogenária Sabine, uma senhora francesa internada em um hospital especializado em cuidar de doentes terminais. Viúva de um oficial britânico por quem foi a vida inteira apaixonada e admirava pela coragem, Sabine temia não ter a bravura do marido para enfrentar a morte que sabia se aproximar. Tinha medo de que sua “covardia” no final da vida a impedisse de se juntar ao marido no céu, algo em que acreditava fervorosamente. ‘Não serei digna”, suspirava. A confissão da paciente Sabine a uma enfermeira, foi reportada ao médico-chefe do hospital que convidou a dra Mannix para participar da conversa que mudaria sua vida e permitiria que ela, a partir de então, assistisse à morte com informação e preparo. “O que aprendi naquele dia, me manteve calma ao enfrentar as tempestades de medo de outras pessoas, me trouxe a confiança de que, quanto mais entendemos o processo da morte, melhor podemos gerenciá-lo”, conta a autora.
O médico sentou-se ao lado de Sabine na cama, segurou sua mão e começou: “A enfermeira me disse que a senhora tem algumas preocupações. Estou muito feliz que tenha contado a ela. Gostaria de discutir o assunto comigo?”, perguntou o médico. Sabine concordou. ‘É verdade que está preocupada com o processo da morte e com a possibilidade de que seja doloroso?”Sabine não se assustou com a abordagem direta. (…) Gostaria que eu lhe descrevesse como a morte vai acontecer? A paciente concordou e segurando firme nas mãos do médico, vai ouvindo o relato: a primeira coisa que notamos é que a pessoas ficam mais cansadas. A doença suga a energia. (…) com o passar do tempo, ficam mais exauridas e, para ter mais energia, precisam dormir mais. Já percebeu que, se tirar uma soneca durante o dia, se sente menos cansada durante algum tempo depois que acorda? (…) bem isso quer dizer que a senhora está seguindo o padrão (…) o que esperamos que aconteça a partir de agora é que simplesmente se sinta cada vez mais cansada e precise de sonecas mais demoradas. (,…) com o passar do tempo, percebemos que as pessoas começam a ficar mais tempo dormindo e, durante parte desse tempo, o sono é ainda mais profundo, até que entram em coma. Ou seja, ficam inconscientes” O médico conta que nesse momento a equipe trata de ministrar as drogas necessárias para evitar qualquer tipo de dor e deixar a pessoa muito confortável. “Quando acordam, geralmente, elas nos dizem que dormiram bem. Parece que não percebem que ficaram inconscientes. E assim, no finalzinho da vida, uma pessoa fica simplesmente inconsciente o tempo todo. Então a respiração começa a mudar. Algumas vezes, ela é profunda e lenta, outras, superficial e mais rápida então, pouco a pouco, diminui e para, de uma maneira muito suave. Não há nenhum ataque súbito de dor no final. Nenhum sentimento de estar desaparecendo. Nenhum pânico. Tudo muito, muito tranqüilo”
Nos 30 anos seguintes de sua prática clínica, a dra Kathryn Mannix descobriu como o relato daquele médico era verdadeiro e exato. “Eu o utilizei para confortar muitas centenas, talvez até milhares de pacientes da mesma forma que trouxe consolo para Sabine.
Mais do que nos familiarizar e tranqüilizar com o processo biológico do fim, as muitas histórias do livro nos remetem, através de casos diversos, comoventes e inspiradores, a compreender e refletir sobre nossa existência. “Em toda a nossa vida, há apenas dois dias com menos de 24 horas, posicionados como aparadores de livros na estante da nossa vida: um é celebrado todos os anos, mas é o outro que nos faz ver a vida como algo tão precioso” , afirma
Para quem quiser mergulhar nessa leitura tão intensa, repito aqui a advertência que a autora nos faz no início do livro: estas histórias provavelmente o levarão a pensar não apenas nos protagonistas, mas em si mesmo, na sua vida, nos seus entes queridos e nas suas perdas. É provável que se sinta triste, embora o objetivo seja o de oferecer informações e assunto para reflexão. “Como estive diante da morte milhares de vezes, concluí que, de maneira geral, há pouco a temer e muito a preparar. É surpreendente quanto uma família pode estar tranquila e bem preparada diante de um leito de morte.
Os enlutados sabem muito bem o significado e importância dessa serenidade no momento da partida de quem amamos.
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