Você tem saudade de quê?

Por Alex Bessas para O tempo

A plenos pulmões ou em um simples sibilar, a saudade é um sentimento com um quê de universal. Seja por alguém, por alguma coisa, lugar ou acontecimento, todo mundo, em algum momento, já manifestou essa sensação de falta que, em vez de amarga, tem um quê de agridoce.
A onipresença desse lamento, que é também elogio, se faz perceber no cancioneiro nacional. O repertório da música brasileira, afinal, é permeado pelas mais autênticas formas de saudades. Pode aparecer na forma daquela nostalgia bucólica, “de um lugar bem pra lá do fim do mundo”. Talvez ganhe um apelo mais sertanejo, da lembrança “do luar da minha terra”. Surge ainda como memória da infância, de um tempo em que se “era feliz e não sabia” e que é personificado na figura da “professorinha, que me ensinou o bê-á-bá”. E emerge também com um quê de resignação, das recordações que habitavam aquela a maloca querida, que, mesmo após ser derrubada, ainda guarda as melhores recordações de alguém. Sem contar, claro, da falta que fazem todos aqueles ex-amores.
Tão presente e, ao mesmo tempo, tão paradoxal, não é à toa que a saudade frequente a poesia. Rigorosamente, podemos dizer que esse é um sentimento que expressa a dor de uma ausência que temos o prazer em sentir. E se essa é a definição mais precisa para o termo, convenhamos que, de fato, haverá sempre um quê de poético na expressão do que é saudoso.
Aos olhos da ciência, a saudade é entendida como um sentimento, ou seja, uma interpretação subjetiva de um estado emocional complexo. É o que explica Thales Coutinho, professor do curso de psicologia da Estácio Belo Horizonte.
“Definitivamente, é algo bem frequente, o que é ótimo, porque estamos falando de algo que pode aumentar nossa capacidade de lidar com desafios e adversidades, e, portanto, favorece a resiliência”, indica o especialista.
Thales lembra que, com a pandemia da Covid-19, muitas pessoas se apegaram ao sentimento para seguir. “De certa forma, a saudade do barzinho, a saudade de ver amigos, do cinema, do teatro ou de um grande festival foi um fator de motivação para muitas pessoas, fazendo alimentando, inclusive, um outro sentimento: o de esperança”, examina.
“Sem dúvida estamos falando de algo que nos ajuda a dar sentido a nossas vivências e que nos empresta recursos para nos reconhecer em nossa individualidade”, acrescenta a psicóloga Letícia Ciscouto, preceptora de estágio em psicologia do Uni-BH.
Além disso, “embora venha junto de certa tristeza, ter algo que faz sentir saudade nos mostra que nossa vida tem sentido, que nossas experiências são autênticas, que construímos relações potentes”, reforça Thales. Ele complementa que um dos componentes desse sentimento é o elogio ao passado. “Então, quem valoriza as próprias vivências têm mais chances de conviver com essa sensação”, pontua.
Disfuncional 
Contudo, a saudade pode se revelar um engodo e se transformar em melancolia. “Nesse caso, você só olha para o passado, sem conseguir seguir. É como se você se desconectasse do presente”, informa Letícia Ciscouto. Algumas experiências podem contribuir para esse tipo de quadro emocional.
“Quando vivemos perdas significativas, por exemplo. Se a gente perde alguém, seja com o fim de um relacionamento ou em razão da morte de uma pessoa, ou se perde alguma coisa, como um emprego, podemos acabar nos prendendo ao passado, tendo dificuldade para sair desse lugar. Por isso, é importante que a gente consiga ritualizar essas passagens”, observa a psicóloga. “É fundamental que possamos vivenciar a saudade em um sentido de direção, e não de estagnação”, conclui.
No mesmo sentido, Thales Coutinho situa que o luto é um estado mental em que o sujeito vive em função de uma saudade. “Mas, quando esse processo é saudável, chega o momento em que o luto passa, mas a saudade não. Ela se perpetua. Dessa maneira, qualquer coisa que remete à pessoa vai gerar em nós esse sentimento. Essa é uma forma de encontrarmos a presença daqueles que amamos mesmo quando eles estão ausentes”, descreve.
Benefícios 
Um estudo publicado em 2016 e disponibilizado pela Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos apurou possíveis benefícios da saudade para a saúde e o bem-estar dos indivíduos.
Segundo o artigo, que examinou seis pesquisas sobre o tema, o sentimento traz ganhos diversos, auxiliando na autorregulação das emoções, operando em ajustes psicológicos e favorecendo o funcionamento do sistema autoimune.
No texto, os pesquisadores indicam que a saudade (o grupo usa a expressão “nostalgia”, adjetivo que, na língua inglesa, é o mais próximo para descrever o sentimento) contribui para a construção de um senso de conexão entre o passado e o presente e também para a elaboração de um senso de pertencimento e de aceitação.
Etimologia 
Embora se tenha convencionado a dizer que a palavra “saudade” só exista na língua portuguesa, isso não é bem verdade. Derivada do latim, a expressão é presente também no espanhol, que tem o termo “soledad”, e no catalão, que usa “soledat”. Porém, o significado da expressão é menos abrangente, referindo-se especificamente ao desejo de voltar para casa.
Mas mesmo considerando o aspecto semântico mais abrangente, a verdade é que a palavra encontra correspondentes em outras línguas. Na Romênia, por exemplo, há o termo “dor” (pronucia-se “durere”), que também fala de uma sensação de falta, que dói, mas que temos prazer em sentir. No árabe, a expressão também encontra correspondência. Alguns estudiosos indicam, inclusive, que “saudade”, tal qual conhecemos hoje, é uma palavra fruto da combinação do latim e do árabe.
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