A cara sem filtro do luto

Por Cynthia Almeida para Vamos falar sobre o Luto

A série de TV After Life, do comediante inglês Ricky Gervais, usa o seu humor implacável para retratar uma vida destroçada depois de uma perda
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Uma combinação improvável, a do humor ácido e politicamente incorreto do comediante inglês Ricky Gervais com seu olhar surpreendentemente sensível e comovente sobre o luto, resultou em uma das melhores séries de TV já realizadas sobre o tema da perda . Disponível na NetflixAfter Life é produzida, escrita, dirigida e estrelada por Gervais e está em sua segunda temporada. É imperdível. Apesar de toda a crueza da visão sem filtro de como a vida pode ser insuportável depois da perda de um grande amor , a série faz você rir, se identificar, se chocar e também chorar junto com o protagonista em sua jornada de desencanto depois da morte da mulher, Lisa, vitima de câncer. Tony trabalha num pequeno jornal na igualmente pequena cidade litorânea de Tambury, na Inglaterra. Cobre as miudezas quase sempre patéticas da vida cotidiana da comunidade num modo automático de humor amargo e debochado. As ideias (e tentativas) suicidas o perseguem e, de alguma maneira, Tony só se sente vingado sendo rabugento , irônico e verbalmente cruel com tudo e todos. Atrás da fachada de arrogância, porém, está a fragilidade de um coração em pedaços. Seu melhor lado, que acredita ter perdido junto com Lisa, aparece na relação com a cachorra, lembrança constante da mulher que adorava e da responsabilidade de cuidar do bichinho que agora só depende dele. Sua versão mais humana surge também no flashback da relação com a mulher, através dos inúmeros vídeos que eles gravavam juntos, retratos de uma parceria de rara felicidade . A gente acompanha também uma série de gravações que Lisa fez já doente para serem assistidos depois da sua partida com o que ela chama, bem humorada até o fim, de Pequeno Guia de Como Viver Sem Mim .

O melhor de After Life tem tudo a ver com o estilo de humor de Ricky Gervais: sem concessões. E é exatamente essa característica que torna tão real a forma como ele descreve o luto do seu anti-herói: raiva da humanidade (muitas vezes justificada), autocomiseração, ausência de perspectiva ou mesmo vontade de ser feliz, entremeadas com pequenas (bem pequenas) brechas de alguma esperança de luz no fim do túnel.

O contraponto da desesperança de Tony são as conversas que tem no cemitério com outra viúva, mais velha e experiente que ele, que passa suas tardes ali conversando com o marido falecido e tem muito a ensinar ao viúvo recente.

A segunda temporada fica ainda melhor e mais realista ao mostrar que, mesmo que o tempo apare algumas arestas insuportáveis da dor inicial, não opera milagres. A vida segue como ela é, temperada pelo humor cáustico do personagem que decide (e nem sempre consegue) se tornar uma pessoa melhor. Vale cada episódio.

No site Vamos Falar sobre o Luto você encontra muitos artigos sobre apoio e superação ao luto, além de dicas de filmes e leituras.

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