Ajudando as crianças em luto devido à pandemia

Por The New York Times (Publicação traduzida e publicada por NSC Notícias)

 

Essa é uma conversa que muda com a idade e com a compreensão da criança, mas é preciso se lembrar de que crianças a partir de dois anos vão entender que algo aconteceu e precisarão ser incluídas

*Por Perri Klass, M.D.

Entre as restrições de viagem e o limite do número de visitantes a hospitais, os pais podem receber a notícia da morte de um ente querido por telefone e ter de contar isso às crianças, que podem estar despreparadas.

swing-4813301_1920No fim de março, médicos do grupo de Psiquiatria Infantil e Adolescência da Universidade de Oxford, liderados por Alan Stein, publicaram um editorial no jornal “The Lancet: Child and Adolescent Health”, argumentando que o diálogo honesto e eficaz sobre a pandemia, incluindo a morte e o morrer, e também sobre o estresse e a tristeza dos pais, era vital para a saúde psicológica e o bem-estar das crianças.

O grupo já havia publicado anteriormente sobre como falar com crianças de doenças com risco à vida – a própria vida ou de um dos pais –, enfatizando que a comunicação precisa ser adaptada à compreensão do desenvolvimento delas. Segundo o grupo, os pais não devem tentar esconder notícias preocupantes de seus filhos, nem se refugiar em conversas excessivamente técnicas, mas devem reconhecer seu próprio sofrimento emocional sem sobrecarregar as emoções ou os medos da criança.

“Não contar a eles não os protege”, disse uma das autoras, Louise Dalton, psicóloga clínica consultora do Departamento de Psiquiatria de Oxford, que liderou o projeto ao lado de Elizabeth Rapa, pesquisadora sênior de pós-doutorado. “Até as crianças estão cientes das mudanças que aconteceram na vida de todos.”

O grupo tinha desenvolvido orientações para os profissionais de saúde que se encontravam na nova situação de repassar as más notícias por telefone e temiam que o isolamento familiar durante a pandemia significasse que “as crianças ficariam ainda mais invisíveis”, afirmou Rapa. Por isso, suas diretrizes enfatizaram a importância de descobrir se a pessoa falecida deixou filhos, que precisam ser informados, e oferecer ajuda ao membro da família que tem de dar a notícia.

Eles escreveram orientações para a pessoa da família que tem de fazer o relato, que Rapa chamou de “um guia passo a passo para ajudar os pais, ou qualquer adulto, a ter uma das conversas mais difíceis com seu filho”. O cenário específico que eles tinham em mente era um dos pais, isolado em casa com um ou mais filhos, recebendo um telefonema com a informação de que um dos avós ou outro membro da família havia morrido, embora seus conselhos se apliquem a muitas outras situações.

“Os pais recebiam esse telefonema horrível informando que o vovô havia morrido. As crianças sabiam que o vovô não estava muito bem, sabiam que a mãe tinha atendido esse telefonema no confinamento – você dificilmente teria tempo para se preparar”, contou Rapa. A primeira instrução para os pais é reservar um minuto para respirar “o mais lenta e profundamente possível”.

“Pensar em como conversar com as crianças sobre isso provavelmente parece a coisa mais difícil do mundo. Tente manter seu foco nos próximos minutos e em como você deseja que seus filhos ouçam a notícia da morte de entes queridos”, diz um trecho do início do guia.

Essa é uma conversa que muda com a idade e com a compreensão da criança, mas é preciso se lembrar de que crianças a partir de dois anos vão entender que algo aconteceu e precisarão ser incluídas, acrescentou Rapa.

“Sou adepta de fazer as coisas sem pressa; segurar seu filho, ficar perto dele, permitir que reflita por alguns segundos e esperar para ver o que acontece”, afirmou a dra. Elena Lister, psiquiatra de adultos e crianças do corpo docente dos centros médicos de Columbia e de Cornell, especializada em luto e perda.

“Responda às perguntas específicas da criança, por exemplo, sobre a causa real da morte: ‘Os médicos não conseguiram ajudá-la a respirar o suficiente.’ E diga à criança: ‘Vamos ter muito tempo para conversar sobre isso, vamos superar isso juntos'”, explicou Lister.

Esteja preparado para reações comuns, incluindo ser questionado se você também vai morrer. Especialmente com crianças mais novas, esteja pronto para revisitar o assunto, verifique com elas um dia depois e pergunte o que entenderam, orientou Rapa.

“Não penso nisso como uma única conversa. É o primeiro passo de um diálogo difícil”, disse Lister, que escreveu sobre a experiência de perder a filha devido à leucemia. Use uma linguagem muito específica e direta. As crianças pequenas podem ouvir “perdemos o vovô”, por exemplo, e presumir que o próximo passo é ir procurá-lo.

Certifique-se de que as crianças não estão se culpando, ressaltou Dalton. Isso pode significar tranquilizar o menor de que a pessoa que morreu foi bem cuidada no hospital, que todos fizeram tudo o que podiam. Fale de medidas práticas para prevenir a transmissão – máscara e higiene das mãos. Converse sobre os cientistas que estão trabalhando para descobrir uma vacina.

Reconheça sua própria tristeza e que você sente falta da pessoa que morreu. “Estamos vivendo num mundo em que os especialistas em luto e perda têm muito a nos ensinar sobre a criação cotidiana de nossos filhos. Nosso comportamento, como pais, já é afetado pelo estresse da pandemia, tanto aguda quanto crônica. A parte aguda deixa todos nós em um estado de hiperexcitação, mas o estresse crônico é particularmente desgastante”, comentou Lister.

“As crianças estão vendo as perdas de muitas maneiras diferentes”, acrescentou ela. Suas escolas, seus amigos, sua rotina, seus planos de férias – e, ainda por cima, a conversa constante sobre doença e morte. “Elas estão cercadas de tudo isso – no noticiário, os pais falando do tema –, é tão diferente da vida normal em que todos vivíamos uma espécie de negação da nossa mortalidade. Esse ambiente tem feito com que cada um de nós viva um caldo de consciência da mortalidade”, concluiu ela.

As crianças estão temerosas e ansiosas, segundo Lister, e podem estar encontrando informações incorretas ou entendendo mal algumas coisas que veem e ouvem. Traga à tona os tópicos difíceis. Tente não os discutir na hora de dormir e lembre-se de que o que você diz a um irmão pode muito bem ser repassado a outro, aconselhou Lister. “Ter essas conversas os ensina que você pode lidar com as coisas difíceis – eles se sentem menos sozinhos.”

Novamente, esteja preparado para conversas sobre se você – ou outro membro da família – morrerá em decorrência do vírus. Como você responderá a isso, é claro, vai depender da idade da criança. Para uma de quatro anos, você pode dizer, de acordo com Lister: “Lavo minhas mãos. Sou saudável, estou fazendo tudo que posso para ficar o melhor possível.” Dê mais detalhes para crianças mais velhas, mas “você não pode garantir o que não pode garantir”, frisou ela.

“Especialmente depois da morte de alguém, toda a gama de reações emocionais é inteiramente normal”, disse Dalton. As crianças podem apresentar um aumento da ansiedade, incluindo a angústia da separação, podem ser excepcionalmente pegajosas ou reagir emocionalmente de forma exagerada a pequenos eventos. Mas, se a criança está sempre se retraindo, recusando-se a participar de atividades que geralmente dão prazer e conforto, ela pode precisar de mais ajuda. O sofrimento emocional frequentemente aparece em distúrbios alimentares ou do sono, mas mudanças comportamentais persistentes podem justificar uma conversa com o pediatra ou uma consulta com um profissional de saúde mental.

“Precisamos ser honestos e específicos com as crianças – como adultos, temos de ser corajosos”, afirmou Dalton.

(O doutor Perri Klass é o autor do livro ainda inédito “A Good Time to Be Born: How Science and Public Health Gave Children a Future” [Uma Boa Época para Nascer: Como a Ciência e Saúde Pública Deram às Crianças um Futuro, em tradução livre], a respeito de como nosso mundo foi transformado pela queda radical da mortalidade infantil.)

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