Lata do luto

Por Dr. Russen Moreira Conrado para Jornal do Médico

A vida traz a doce ilusão da alegria e do amor, que precisamos sempre alimentar. E a morte? Ela traz a suprema capacidade de argumentar sem entender, o mistério de questionar sem perceber, a presença de um fim reticente, a carência de um ser ausente, a essência de um sofrer diferente, mesmo sabendo que se trata da coisa mais certa do viver. O luto tem sua negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Lata do luto é uma reflexão sobre esse momento de perda severa; não necessariamente relacionada a morte que sucede a vida; mas, tambem, daquilo que está vinculado ao que morre dentro de nós enquanto estamos vivos.

Estudar o luto sem vivenciar a perda que nos faz entendê-lo, é como flutuar a imaginação no que não conhecemos sem vivê-lo. O luto traz ingredientes que se evaporam no momento real da perda irreparável; nele se misturam o inusitado, o enigma, a culpa, a razão, o medo, a ação, o embaraço no coração e na capacidade de ação, o fazer todo o necessário, a questão escondida, a resposta vinda da falta de indagação.

Mesmo que possamos usar todo conhecimento e saber, a luta, ou a lata do luto, se adianta no olhar, na lagrima e no pensar; a repetência do passado se renova com frequência, ainda que estejamos fortalecidos pela suprema capacidade de aceitar e de ressignificar. Shakespeare reforça que “toda pessoa pode superar uma dor; exceto quem a sente”. São grandes alicerces da superação: a espiritualidade, a gratidão, a fé, o aprendizado da vida, o amor semeado, a experiência e a repetição. E como fica a saudade, essa imensa vontade de ver de novo? Salva pela verdade, pelo novo caminho e pela esperançosa e valiosa vida. Freud diz: “onde abundam as dores brotam os licores”; sabemos também que, onde há desgraças surgem graças, e “pelo fogo se prova o ouro e a prata e, nesse instante, o Criador revela o valor da criação”. A aceitação ou superação migram pelo aprendizado que a vida oferece, pelo efeito dos afetos, pelo passamento do tempo e pela necessidade de seguir avante. Cada pessoa tem o tempo individual de compreender o luto; ou de mergulhar no seu segredo abismal. Faça a vida valer a pena.

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