Como superar o luto da perda do emprego na pandemia

Por Marcela De Mingo para Yahoo Vida e Estilo

O comércio fechou de uma hora para a outra. Shoppings de portas fechadas, cinemas vazios, lojas com avisos de “quarentena” nas vitrines… a 25 de Março ficou tão silenciosa e a Av. Paulista tão vazia, que o cenário pareceria o de um filme pós-apocalíptico. E, enquanto muita gente tentava administrar de dentro de casa a pandemia de coronavírus, equilibrando o cuidado com as crianças com o home office, o trabalho doméstico e a própria ansiedade, tantos outros precisaram lidar com o luto de perder o emprego em um período de crise.

hand-65688_1920Acredite, o termo não foi usado de forma equivocada por aqui. A perda de um emprego (principalmente se for estável, com carteira assinada) de forma inesperada ou repentina, como foi o caso de muita gente durante a pandemia, pode gerar um choque emocional grande. Claro, tudo depende do grau do vínculo empregatício, mas, ainda assim, em um período de tanta incerteza, a queda pode ser bastante grande.

“De acordo com as características individuais de organização da carreira e planejamento financeiro de cada pessoa, estes sentimentos podem variar, desde uma indiferença até certo atordoamento emocional”, explica a psiquiatra Maria Francisca Mauro, mestre pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Os pensamentos que passam pela cabeça a partir daí são muitos quando se considera que o brasileiro não possui uma cultura de planejamento, que vive uma desigualdade social grande e de oportunidades cada vez mais escassas: “vou conseguir outro emprego?”, “como vou pagar minhas dívidas?”, “e as contas do mês, vou conseguir pagá-las?”, “como vou sustentar a minha família?”.

Isso sem contar as dúvidas sobre a própria capacidade de conseguir e manter outra ocupação. A ideia de “não ser bom o suficiente” ronda a mente e corrói a autoestima de qualquer um que já perdeu o emprego antes – ou que passou por isso em um momento tão complexo como o que vivemos agora.

Aliás, entre o estresse, os altos índices de ansiedade e a economia em crise – em maio deste ano, o IBGE registrou mais de 12 milhões e 400 mil desempregados no Brasil, uma alta de 26% apenas nas sete semanas iniciais de pandemia / isolamento social -, parece impossível lidar tranquilamente com o desligamento de uma empresa. Eis aí, o luto.

Segundo a médica psiquiatra, os estágios da perda (negação, raiva, negociação, depressão, aceitação e significado) se relacionam com o desligamento de uma empresa (não-voluntário, claro) à medida que o agora ex-funcionário se sente apático diante do que aconteceu, passando por momentos de culpar os antigos empregadores, não ver sentido na própria vida, entender que era impossível as coisas acontecerem de outra maneira, aceitar a nova realidade e, enfim, buscar se reerguer de alguma forma.

“Assim como no luto, este lugar da perda do trabalho determina uma necessidade de reflexão, de diálogo consigo mesmo, para que se possa conseguir, de uma forma mais confortável, superar este impasse profissional – e até mesmo de sobrevivência”, explica ela.

E, sim, com uma pandemia (ainda) batendo à porta do mundo inteiro, passamos por um momento de grande incerteza. Unir as ameaças do COVID-19 à perda de um emprego amplifica as inquietações que as pessoas possam ter em relação ao futuro, o que dificulta o pensamento a longo prazo e, até mesmo, complica esse processo de ressignificação.

“O efeito das sensações da perda de emprego e as dificuldades inerentes para se reposicionar ficam amplificadas, pois temos alguns setores que simplesmente estão sem previsão de retorno, como o de eventos”, diz ela. “Cria-se, para além dos sentimentos acima relatados do desemprego ‘banal’ de anteriormente, uma pitada amarga de que a saída do problema pode requerer um esforço muito maior, até mesmo uma mudança completa de área de trabalho. Exige capacidades de superação e reinvenção muito maiores que em outros períodos”.

A superação da perda do emprego, é possível?

Como tudo na vida, sim, superar o luto pela perda do emprego é possível – mesmo em um cenário tão aparentemente caótico como o que vivemos agora. Mas vai exigir um primeiro passo importante: não se entregar ao desespero.

Parece clichê e até vazio falar para alguém que está passando por essa situação não se desesperar (ainda mais se ela cai no equívoco de ler as notícias diariamente). No entanto, evitar o desespero é o que garante o não-desencadeamento de um funcionamento mental que trabalha na base do “não existe uma solução para esse problema”.

“Depois de conseguir não ativar o desespero, será preciso paciência. Não o conformismo com a paralisia, mas paciência para começar a colocar os pensamentos em ordem, reorganizar as finanças e passar a entender que precisa tomar fôlego para atravessar este momento mais difícil”, continua a psiquiatra.

Aqui, entra em cena também um ponto importante: saber pedir ajuda. Usar a sua rede de apoio para espalhar a informação de que você está disponível no mercado de trabalho é se cercar de pessoas que, nesse momento, possam colaborar para que você olhe para essa situação com mais tranquilidade. Peça ajuda para buscar novas vagas, faça bom uso das redes sociais (principalmente o LinkedIn) e peça por orientação de alguém que você admira para saber quais são as suas qualidades e capacidades – o que é extremamente útil em um reposicionamento de mercado.

Se possível, vale a pena buscar alguma fonte de renda alternativa, como a venda de doces, enquanto esse reposicionamento acontece para evitar uma seca completa do fluxo de caixa pessoal.

“O mais importante nesta trajetória será entender que sua estratégia não deve ser de curto prazo, mas alinhada com seus valores, para que possa se engajar de forma própria e estar envolvido no seu próprio projeto. Persistência será importante”, diz ela.

Isso significa não aceitar qualquer primeira oportunidade que aparecer por causa do desespero de não conseguir algo melhor e acabar em uma cilada – como um trabalho que paga muito pouco, mas exige muito. No entanto, é importante, aqui, considerar a situação individual de cada um, o contexto em que se encontra e suas reais necessidades – em um período de crise, sabe-se que é complicado conseguir uma vaga 100% alinhada com o que se deseja, por isso tenha paciência (mais uma vez!) e cuidado ao analisar as propostas.

No mais, é sempre importante lembrar que fases ruins podem parecer eternas, mas passam tanto quanto as fases boas. Caso seja difícil enxergar perspectivas positivas ou superar a perda de um trabalho e colocar a sua mente na busca de uma solução, considere procurar ajuda de um profissional de saúde mental. Pode parecer contraproducente em um momento de baixa financeira, mas estar com a mente centrada é essencial para tomar decisões e buscar saídas efetivas para uma situação complexa.

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