Infância X Luto – uma difícil equação

Por Ana Lúcia Naletto Para Vamos Falar sobre o Luto

A palavra infância parece carregar apenas significados de alegria. Como então, permitir a experiência da tristeza, frustração, perdas e sofrimento nessa etapa da vida?

 “Se eu fosse grande, matava a morte “ Antônio, 8 anos.

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O mundo moderno tem convocado as pessoas a lidar cada vez menos com tristezas e frustrações, parece que esses dois sentimentos não têm mais espaço e quando interpelam a história do sujeito, rapidamente se busca o alivio em remédios e distrações, responsáveis por enganar as dores da alma. Na era do hedonismo – prazer máximo – o direito a tristeza parece cada vez mais extinto. A felicidade se torna a pauta do dia e todos passam a procurá-la freneticamente em todos os lugares, como meta de vida.

Neste contexto, a criança acaba tendo o dever de crescer e ser sempre feliz ou “parecer feliz”. A palavra infância parece carregar significados de alegria, ganhos, evolução, investimento, inocência, pureza etc. Como então, permitir a experiência da tristeza, frustração, perdas e sofrimento nessa etapa da vida? Como contar à criança que alguém que ela ama morreu? Como conversar de morte e finitude com a criança? Como protegê-la do sofrimento?

Todos nós vamos morrer e esse evento é tão natural como nascer, crescer, estudar, trabalhar, ter filhos. No entanto, a ideia de finitude produz medo e terror. Como uma certeza plena e, ao mesmo tempo, um mistério incompreensível, vamos lidando com o tema MORTE como um tabu e nos recusando a pensar nele.

Inevitavelmente, um dia a morte acontece com pessoas próximas às crianças e neste momento, o adulto é convocado a lidar com a difícil equação: MORTE X INFÂNCIA.

Comunicar ou ocultar? Falar ou calar? Contar ou esconder? Aproximar ou afastar? Não é raro que os adultos escolham ocultar, esconder, calar ou afastar a criança do assunto porque acreditam por convicções próprias, que elas não precisam entrar em contato com esse sofrimento, que não vão compreender o fato e, muito menos, que precisem se despedir ou participar do cerimonial de velório e sepultamento. Ledo engano!

As crianças são como “antenas parabólicas” que captam o que acontece ao seu redor de diversas formas e vão além disso, pensam e constroem hipóteses sobre o que observam porque estão abertas para aprender sobre o mundo e querem compreendê-lo.

Portanto, em caso de morte, o melhor encaminhamento é contar a verdade para a criança, e assim respeitar o direito dela saber. Assim como todos os que conviveram com a pessoa falecida,  ela também deve ter a chance de se despedir e de compreender um pouco mais sobre a vida. O primeiro adeus da criança pode ser o divisor de águas para ela lidar com perdas no futuro de forma mais saudável.

COMO DAR A NOTÍCIA DE MORTE PARA A CRIANÇA?

  • Quem deve falar? Em geral uma pessoa próxima da criança e em quem ela confie. Esta pessoa deve estar mais organizada emocionalmente para conseguir dar a notícia. Isso significa dizer que ela pode chorar, pode estar emocionada, mas precisa estar em condições mínimas de explicar para a criança o que aconteceu e estar aberta para possíveis perguntas.
  • Onde falar? O lugar não importa tanto, mas uma boa maneira é aproximar-se fisicamente da criança, abaixar até ficar de sua estatura ou usar o colo para acolhê-la fisicamente. O toque, o colo, o abraço são boas opções de contenção e carinho nesta hora.
  • Que palavras usar? Quando o assunto é morte, não devemos recorrer a eufemismos ou palavras de duplo sentido para explicar os fatos às crianças. O pensamento da criança é concreto e ela tende a pensar nas coisas tais como falamos. Usar expressões como “o papai está dormindo, o vovô virou estrelinha, papai do céu chamou a titia” não costumam ser boas escolhas porque estas explicações tendem a ser absorvidas literalmente pela criança.  As melhores palavras são as concretas e que fazem parte do vocabulário da criança “Vovô estava com uma doença muito forte e como já estava velhinho, seu corpo não conseguiu curar e ele morreu”
  • O que falar? Quando se trata de notícias ruins costumamos adotar um cuidado de usar a verdade progressiva e suportável, ou seja, vamos contando a verdade de forma gradual para que a pessoa possa ir assimilando os acontecimentos.

Por exemplo, em um caso de falecimento por acidente de carro:

Primeiro momento: “ Aconteceu uma coisa muito triste em nossa família, o titio sofreu um acidente de carro e se machucou bastante”.

Segundo momento: “ O titio estava muito machucado e seu corpo não conseguiu se curar, ele morreu.”

 

O QUE FAZER DEPOIS DE CONTAR PARA A CRIANÇA SOBRE A MORTE DE ALGUÉM QUERIDO?

As crianças podem e devem ser incluídas nos rituais de falecimento, mas devemos ter alguns cuidados.

Devemos lembrar que elas não sabem ao certo o que acontece em um velório e, por isso, é preciso que o adulto esclareça sobre o que poderá ocorrer nesse lugar. É importante dizer, com palavras simples, que o corpo da pessoa que morreu fica numa caixa especial, por um tempo, para que as pessoas possam vê-lo, mais uma vez, antes de ser enterrado. Também é importante avisá-la que haverá gente chorando, pois estão tristes com o fato. É bom lembrar-lhe de que a pessoa que morreu não sente mais dor, frio ou qualquer desconforto.

Depois de explicar o que são os ritos fúnebres e como acontecem, podemos consultá-las sobre sua participação no velório e enterro, informando as etapas e o que irá encontrar, caso deseje participar.

As crianças vivem o luto de diferentes maneiras, mas não deixam de experimentá-lo. Algumas crianças demoram um pouco para reagir à morte de alguém querido. Somente com o passar do tempo é que vão sentindo falta de quem se foi e demonstrando esse sentimento de perda.

É comum a criança tentar entender a morte e criar razões para que ela tenha acontecido. Pode fantasiar que a pessoa que morreu a abandonou, e sinta raiva por isso, podendo tornar-se mais agressiva por um tempo. A criança pode querer saber se ela ou as pessoas que estão a sua volta irão morrer. Devemos, diante dessa questão, sempre reiterar que sim, que todo ser humano morre um dia, mas que provavelmente vai demorar e que as pessoas se cuidam para preservar sua saúde e sua vida.

É muito importante que a criança possa ter espaço para falar das coisas que sente, imagina e pensa sobre o acontecido. Neste sentido, a família pode ajudar muito, criando oportunidades para tocar abertamente no assunto.

Assim como falamos às crianças sobre a vida, devemos falar também sobre a morte.  Falar de morte não é agradável, mas é necessário, pois ninguém está livre de viver situações de luto envolvendo crianças.

“Ninguém quer morrer. Mesmo as pessoas que querem chegar ao paraíso. Mas a morte é o destino de todos nós.” (Steve Jobs)

 

Ana Lúcia Naletto 
Psicóloga Clínica, coordenadora do centro de Psicologia Maiêutica onde trabalha com enlutados e desenvolve projetos de apoio ao luto nas mais diversas situações. Autora do capítulo “Morte e Luto no contexto escolar” – do livro, “O luto da criança” (ED. Pleno).

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