Luto: verbo e saudade

Por Rick Trindade para Negre.com.br

Sempre lia por aí a seguinte frase: “Pra ele/ela era verbo, pra mim, saudade”. E ela demorou a fazer sentido pra mim. Também lia sobre os cinco estágios que uma pessoa enlutada passa. A frase começou a fazer sentido antes de passar pelo luto.

Meu pai descobriu um câncer em 2015. E eu cai em negação. A gente sempre vive aquela ideia de que o mal só chega até a casa do(a) vizinho(a), sem lembrar que também somos o(a) vizinho(a) de alguém. Foi um ano um tanto quanto pesado, a ficha caiu, ele começou o tratamento e até então, tudo estava indo bem. Aquele ano acabou e o tratamento também, dali pra frente era só ele fazer o acompanhamento necessário.

2016 foi um ano mediano. A gente precisou lidar com o pós-tratamento, e toda essa ansiedade de saber o que poderia vir. Meu pai sempre foi forte. Mesmo sentindo dores, nunca abandonou a rotina dele. Ia no centro da cidade todos os dias, via os amigos, resolvia os problemas e seguia a vida como era possível.

O ano seguinte, 2017, foi o mais terrível. Ele refez os exames, e eu acho que o maior medo de uma pessoa que já teve câncer e passou pelo tratamento, e até mesmo da família, é receber a notícia de que a doença voltou. Meu pai continuou forte. Lembro dele falando no dia que pegou o exame: “Se eu tiver que morrer, é porque é a minha hora”. Mas ele não queria morrer.
A doença já estava avançada dessa vez. Recebemos a notícia de que não era possível fazer mais nada. Outra vez, a negação. Depois de um longo mês de dores, tratamento e lágrimas, meu pai faleceu.

Eu comecei esse texto falando de luto. E de fato, para meu pai sempre foi um verbo. Ele lutou até o fim, porque sentia prazer em viver.

Não há uma cartilha que nos ensine a viver e lidar com o luto. Apesar de existir os cinco estágios, acho que cada pessoa lida de uma maneira muito individual. E acho que o tipo de relação que você teve com a pessoa que partiu, também pode determinar como você vai lidar com o luto.

Eu não caí em negação, pois, vi ao longo de um mês o meu pai morrendo aos poucos, sentindo muita dor. Vê alguém que você ama sofrendo de dor e você não poder fazer nada, não é uma boa experiência. Cheguei a perder um pouco da minha fé logo depois que ele faleceu. Independente da crença, ninguém quer receber um não. A gente se questiona porquê não foi diferente.

A vida vai passando e a gente entende (ou pelo menos eu entendi) que a morte só rouba a presença. Não há mais chances de construir nada com aquela pessoa. Mas o que foi vivido não é apagado. O cheiro, as histórias, as manias, tudo que foi vivido fica marcado, e a gente pode acessar a qualquer momento. Não vou dizer que a saudade não maltrata, porque sim, tem dias que serão insuportáveis, quando bate a certeza de que tudo que você viverá daqui pra frente não terá a presença da pessoa. Mas eu costumo dizer que a minha sensação é de que vi o meu pai ontem e que o verei amanhã. Eu só preciso lidar com o hoje.

E pra mim, luto é dor, mas também virou verbo. Por ele.

 

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Luto: verbo e saudade

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