O Significado da Morte e o Processo de Luto na visão do Cristianismo Católico

Por Nazaré Jacobucci para Blog Perdas e Luto

“O amor é tão forte quanto a morte” (Cântico dos Cânticos c.8, v.6)

Dando continuidade aos posts sobre a compreensão da morte em determinadas religiões, abordaremos neste post o Cristianismo Católico Romano. Exploraremos como os fiéis dessa religião se relacionam com a realidade da morte e buscaremos compreender o significado de seus rituais.

O Cristianismo tem sua origem na figura de Jesus Cristo, um judeu da Galileia, pois seus pais terrenos (Maria e José) eram judeus, descendentes de Abraão. Após o batismo, ele foi batizado por João Batista, Jesus começa a sua missão de levar a palavra de Deus e fazer milagres. No entanto, foram seus apóstolos (discípulos), como Pedro e Paulo, tempos depois de sua morte por volta da década de 50 d.C., que espalharam os ensinamentos e as histórias sobre Jesus em Roma e na Europa. O nome Jesus é a forma latina do grego Iesous, que por sua vez é a transliteração do hebraico Jeshua, ou Joshua, que significa “salvação”. E Cristo, ou Christos, é equivalente ao grego para a palavra hebraica Messias, que significa “ungido”. Assim, o termo Cristo ou Messias era um título, ao invés de um nome próprio.

Neste contexto, depois da morte de Jesus Cristo, o Cristianismo, denominação para os seguidores do Messias Jesus Cristo, se disseminou pelo Oriente Médio e pela Europa. Naquela época, o Império Romano dominava essas regiões. Inicialmente os romanos tinham sua própria religião, por isso perseguiam os cristãos. Mas no ano de 313 d.C. o Imperador Constantino converteu-se ao Cristianismo e permitiu o culto dessa religião em todo o Império. Entretanto, somente no ano de 380 d.C. o Cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano por ordem do imperador Teodósio I, que tomou a medida numa lei conhecida como Édito de Tessalônica.

O termo católico deriva do grego kata (junto) e holos (todo), isto é: universal, que abrange tudo e reúne a todos. A palavra foi aplicada pela primeira vez à Igreja de Roma no século II por Inácio de Antioquia, um de seus fundadores. Mas ela só passa a ser adotada oficialmente como um dos atributos essenciais da instituição a partir do Concílio de Constantinopla, no ano 381, afirma o teólogo Faustino Teixeira. O catolicismo é uma denominação, e é, portanto, um subconjunto do Cristianismo. Todos os católicos são cristãos, mas nem todos os cristãos são católicos. Um católico romano refere-se a um cristão que segue a religião católica como é transmitida através da sucessão dos Papas de Roma e do Império do Vaticano ao longo da história. O Papa é o líder da Igreja Católica Romana. O catolicismo é uma das mais expressivas vertentes do Cristianismo e, ainda hoje, congrega a maior comunidade de cristãos existente no planeta. Segundo estatística recente do Vaticano, cerca de um bilhão e trezentos milhões de pessoas professam ser adeptas ao catolicismo, que tem o Brasil, México e Filipinas como os principais redutos de convertidos.

As principais crenças do catolicismo estão embasadas na crença em um único Deus verdadeiro que integra a Santíssima Trindade, que vincula a figura divina ao seu filho Jesus e ao Espírito Santo. Além disso, o catolicismo defende a existência da vida após a morte e a existência do céu, do inferno e do purgatório como diferentes estágios da existência póstuma. A ida para cada um desses destinos está ligada aos atos do fiel em vida e também determina o desígnio do cristão na chegada do dia do Juízo Final. A liturgia católica reafirma sua crença através dos sete sacramentos que simbolizam a comunhão espiritual do fiel junto a Deus. Entre esses sacramentos estão o batismo, a crisma, a eucaristia, a confissão, a ordem, o matrimônio e a extrema-unção. Os ensinamentos da Igreja Católica são provenientes das Sagradas Escrituras (Bíblia). A Bíblia Sagrada, é uma coleção de livros canônicos dividido em duas partes: o Antigo Testamento e o Novo Testamento.

Para compreendermos um pouco sobre os ritos de passagem do Cristianismo Católico, eu tive a honra de entrevistar o Padre Kécio Henrique Feitosa, sobre questões que permeiam este tema. Abaixo seguem os principais pontos da entrevista.

Como os cristãos católicos compreendem a morte? Qual o significado?
A morte para os católicos significa caminhar ao encontro da eternidade. Para quem pratica a religião, a vida não é tirada, mas transformada. O  homem de fé anseia por essa eternidade. Após a morte, o homem não é mais submetido ao tempo e ao espaço. Dentro desse mistério, o céu e o inferno não são lugares geográficos, mas “estados”. O céu é a participação plena de Deus, enquanto o inferno é o distanciamento. É como se o inferno significasse não participar mais do amor de Deus. Até gostaríamos de ser amados, mas agora não há mais essa possibilidade . Mas, a chegada da morte para um ente querido é difícil, e a separação nem sempre é tranquila, mas o padre lembra que é necessário acolher a finitude da vida.

Dentre os rituais cristãos de passagem, qual o significado da extrema-unção?
Unção dos enfermos é um rito cristão que consiste em ungir os enfermos com um óleo sagrado. Na Igreja Católica, o ritual é também denominado “Santa Unção” ou “Último Sacramento”. A unção dos enfermos tem o objetivo de confortar o doente, perdoar os seus pecados e transmitir um sentimento de alívio espiritual e físico. O ritual de unção dos enfermos segue as palavras do Apóstolo São Tiago, que diz: “Alguém de vós está enfermo? Chame os presbíteros da Igreja e orem sobre ele, ungindo-o com o óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o aliviará. E se tiver algum pecado, lhe será perdoado” (Tiago 5, 14-15).

A “Extrema-unção” é também um sacramento cristão, assim denominado por ser recebido pelos cristãos que estão em risco iminente de perder a vida. O efeito da Extrema-unção é preparar o cristão para um momento particularmente difícil da sua vida, em que irá enfrentar a morte e seguir em direção à vida eterna.

Qual a visão do Cristianismo sobre o mundo espiritual? Há vida após a morte?
Cada vez mais nos afastamos do fenômeno morte. Mas toda a nossa vida de fé se encaminha para o momento da partida para a casa definitiva. Temos que tomar consciência de que a vida do ser humano, por ser criação, tem um começo e um fim. Não acreditamos em reencarnação. Cremos que a alma criada por Deus, sobrevive após a separação do corpo e tende a se encontrar com seu criador e receber a recompensa por sua vida, ou a condenação por seus crimes. A vida é única e vivida nesta terra uma só vez. Somos matéria e espírito, assim, temos algo de divino em nós.

Segundo a tradição cristã  católica há três destinos para a alma do indivíduo: o céu, o purgatório e o inferno. A igreja não os define como lugares palpáveis mas sim, estados sobrenaturais onde a alma viverá. Poderia nos explicar cada uma dessas dimensões?
A vida é um dom de Deus, porém estamos de passagem neste mundo e a qualquer momento podemos perder alguém querido, alguém que amamos. Quem não perdeu é bom estar preparado, pois se existe algo certo na vida, é a morte. Ao olharmos para a morte devemos valorizar a vida, como uma forma e oportunidade de nos prepararmos para a eternidade com Deus. O próprio Jesus garante que é da vontade do Pai que não se perca nenhum daqueles que lhe deu, e que todo aquele que n’Ele crê tenha a vida eterna, e o ressuscitará no último dia (Jo 6, 37-40).

Céu é o prêmio, ou seja, e o destino para os que em sua vida terrena desejaram o bem, mas sobretudo, o Sumo Bem que é Deus.
Purgatório é o caminho que a maioria dos homens iram trilhar até o céu. Pois, precisam pagar as penas dos seus pecados para chegar a visão beatifica de Deus.
Inferno é o castigo, ou seja, o destino para o que que em sua vida terrena desejaram o mal, fizeram o mal, e rejeitaram o Sumo Bem que é Deus e a sua salvação.
Ambos devem ser vistos com uma vida sobrenatural, assim sendo, entender que não existe espaço ou tempo no mundo espiritual. É uma realidade que está para além da nossa concepção humana, tão presos a matéria.

Mas existe o purgatório, o céu e o inferno?
Continua o Catecismo da Igreja Católica: “Cada homem recebe em sua alma imortal a retribuição eterna a partir do momento da morte, num Juízo Particular que coloca sua vida em relação à vida de Cristo, seja através de uma purificação, seja para entrar de imediato na felicidade do céu, seja para condenar-se de imediato para sempre” (CIC 1022). Então, acreditamos que imediatamente após a morte a nossa alma já terá o seu destino eterno definido.
céu, para aqueles que morreram em estado de beatitude, como por exemplo: Nossa Senhora e os santos. Cremos foram direto para Deus.
purgatório para aqueles que estão destinados ao céu, mas antes tem de viver o estado de purificação. Purgatório não é lugar, mas um estado de purificação das almas após a morte.  A Igreja chama purgatório a esta purificação final dos eleitos que é absolutamente distinta do castigo dos condenados.
E o inferno, para aqueles que não aceitam a salvação, concedida por Deus.

Deus não condena ninguém ao inferno. O inferno é uma auto- exclusão da graça, é uma pessoa que no uso do seu livre arbítrio rompeu com Deus, em pecado grave e insistiu em permanecer no pecado grave. Mas existem almas, pessoas que na hora da morte no juízo particular não romperam com Deus, ainda há muito que ser purificado e é bem nessa dimensão que existe o purgatório.

Qual o significado da missa de sétimo dia? Por que rezar pelos mortos?
“Orando pelos mortos, a Igreja contempla, antes de tudo, o mistério da Ressurreição de Cristo que nos obtém a vida eterna”.
Na realidade brasileira, reza-se ainda uma Missa de sétimo dia por causa da extensão territorial. Os parentes que não podiam chegar a tempo para velar o morto vinham depois de alguns dias; assim, a Missa de sétimo dia permitia que o parente distante pudesse estar com a família e rezar pelo defunto.
Por fim, reza-se a Missa de sétimo dia, porque desde o Gênesis havia o costume fazer luto pelos mortos, por outras passagens que falam dessa realidade de purificação da alma do falecido, reza-se devido à fé católica na ressurreição dos mortos, reza-se pela oportunidade de um parente distante estar com a família do falecido e rezar com a família. Reza-se uma Missa de sétimo dia para fazer alusão ao dia que o Senhor descansou. Rezar é ainda uma oportunidade para aqueles que ficaram, louvar a Deus pelo dom da vida daquele que partiu, rezar uma Missa de sétimo dia, para aqueles que ficaram, é uma oportunidade de pensar como está a própria vida.

Os cristãos católicos acreditam na reencarnação?
Não. Nós CREMOS na RESSURREIÇÃO.
A doutrina cristã sobre a ressurreição se encontra o Catecismo da Igreja Católica, do número 988 ao 1001.
O número 989 assinala: “Nós cremos e esperamos firmemente que, tal como Cristo ressuscitou verdadeiramente dos mortos e vive para sempre, assim também os justos, depois da morte, viverão para sempre com Cristo ressuscitado, e que Ele os ressuscitará no último dia. Tal como a d’Ele, também a nossa ressurreição será obra da Santíssima Trindade”.

Poderia nos explicar a ideia central do Juízo Final, dia em que todos ressuscitarão dos mortos e serão separados entre os justos e injustos?
As ações de cada pessoa serão expostas e julgadas com imparcialidade por Deus (Apocalipse 20:12-13). Todos que não tiverem seus nomes escritos no Livro da Vida serão condenados por causa de seus pecados. Eles serão lançados no lago de fogo, junto com o diabo e seus anjos, onde sofrerão castigo eterno (Apocalipse 20:15).
Os verdadeiros seguidores de Jesus terão seus nomes escritos no Livro da Vida. Eles escaparão do julgamento no dia do Juízo Final e vão morar no Céu com Jesus (Mateus 25:32-34). Mas os que apenas fingem amar Jesus serão revelados e condenados.

O Juízo Final é injusto?
Não, o Juízo Final não é injusto. Uma pessoa pode ser muito boa mas se cometer um crime, vai receber castigo. Da mesma forma, todo pecado merece castigo. Deus não se alegra em castigar mas Ele é justo e perfeito e não tolera o pecado. O castigo do pecado é ficar eternamente separado de Deus (Romanos 3:23).
Quem rejeita Jesus como seu salvador não quer estar com Deus. Tudo de bom vem de Deus, por isso uma eternidade sem Deus é eterno sofrimento.

Os cristãos podem ser cremados?
A Igreja não é contra a cremação; ao contrário, até a permite. Há casos em que a cremação é necessária devido a alguma doença grave do falecido ou no caso de ele ter morrido fora de seu país e a família não teve condições de transportar imediatamente o corpo. Há também casos em que a pessoa desejava mesmo ser cremada. No entanto, uma coisa precisa ficar clara: a cremação não deve ter fins supersticiosos, nem de uma crença que não condiz com a fé católica. O Catecismo nos ensina: “A Igreja permite a cremação, a não ser que esta ponha em causa a fé na ressurreição dos corpos”
(n. 2301).

Às vezes, alguns filmes apresentam cenas muito emocionantes, quando o ator espalha as cinzas da pessoa amada como se a presença dela fosse ficar por ali vagando. Essa não é a nossa fé. Como católicos cristãos, nossa fé é de ressurreição. Quando se faz a opção pela cremação, seja por um pedido da pessoa ou por questão de saúde, tal atitude não deve negar a fé na ressurreição.

Dentre os rituais ligados a morte o que os familiares fazem com os pertencem das pessoas que morreu?
O processo de luto não deve ser apressado e varia de pessoa para pessoa com relação à intensidade e duração. Os enlutados que vivenciam um luto muito doloroso apresentam mais dificuldade para lidar com objetos diretamente relacionados com o falecido.

Como é vivenciado o processo de luto pelos familiares e amigos?
O luto é vivenciado de maneira singular; não existe um padrão de reação; há variações em intensidade e duração, influenciadas por fatores como o contexto da morte e as características do enlutado. Por isto, é necessário não interpretar como patológicas, reações que são naturais. Para que o apoio ao indivíduo enlutado possa ser efetivo e para que equívocos sejam evitados, é necessário considerar as culturas, as crenças, os contextos e as dinâmicas dos relacionamentos familiares, bem como identificar fatores que possam prejudicar o enfrentamento do luto, como a não manifestação dos sentimentos, o adiamento do processo ou a negação da perda. A elaboração do luto pode ser compreendida como a fase em que há diminuição do sofrimento frente às lembranças do falecido, havendo a retomada do interesse pela vida, por parte dos familiares.

Mesmo quando o processo de luto é considerado normal, isto não significa que não exista sofrimento ou necessidade de adaptação à nova estrutura familiar. Logo, encontrar espaços onde seja possível expressar-se livremente, compartilhar a dor e se deparar com outras pessoas que experimentam sentimentos e dificuldades semelhantes ameniza o sofrimento e favorece a busca pelas soluções dos problemas enfrentados.

Compreender a linguagem simbólica das religiões é de suma importância para que possamos oferecer um melhor cuidado aos nossos pacientes, principalmente os pacientes que estão hospitalizados e/ou em final de vida.

Nazaré Jacobucci
Mestranda em Cuidados Paliativos na Fac. de Medicina da Universidade de Lisboa
Psicóloga Especialista em Perdas e Luto / Especialista em Psicologia Hospitalar
Psychotherapist Member of British Psychological Society (MBPsS/GBC)
http://www.perdaseluto.com

Este post teve a colaboração do Padre Kécio Henrique Feitosa, atualmente ele desempenha sua tarefa como pároco na Paróquia de São João Batista na cidade de Dourado – Diocese de São Carlos / SP. Padre Kécio cursou Filosofia e Teologia na Pontifícia Universidade Católica de Campinas – SP.

Nazaré Jocobucci já participou do Revista Ypê Live com o tema: Luto em Tempos de Pandemia. Você pode conferir no no IGTV do Cemitério Parque Jardim do Ypê

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