O tabu do luto infantil

Por Maiara Melo para Folha PE

A falta de diálogo com as crianças sobre a morte de uma pessoa ou de um animal de estimação pode ser prejudicial a elas, resultar na formação de uma visão distorcida sobre o assunto e alimentar medos e culpas

 person-731165_1920É muito comum supor que as crianças não compreendem amorte e estão alheias ao processo de luto. Essa ideia faz com que, muitas vezes, o assunto seja considerado prejudicial e se evite conversar sobre o tema com os pequenos, como forma de preservá-los da dor. Porém, essa falta de diálogo acerca do que de fato acontece com uma pessoa ou animal de estimação que se foi pode ser prejudicial para a criança. “Às vezes ela se sente culpada, ou fica com raiva, achando que foi abandonada. As pessoas usam muito eufemismo para tratar a morte, não falam a verdade. Mas é importante que a criança entenda que a pessoamorreu. Que não vai falar, ouvir, não vai mais poder abraçar, que o corpo não se mexe mais. Apontar coisas muito concretas para que a criança entenda que, aquela pessoa com quem ela estava acostumada a conviver, não vai mais existir”, indica a psicóloga do luto, Carolina Medeiros.

De acordo com a profissional, não falar sobre o assunto faz com que a criança crie uma visão distorcida da morte, alimentando medos e culpa. Ela explica que, quando são muito pequenas, elas não entendem que a morte é irreversível. “Então, se você não fala com clareza, ela pensa que a pessoa pode voltar, pode pensar que está dormindo ou que viajou. ”Além disso, o luto pode ser intensificado quando os sentimentos não são expostos. “Às vezes ela está ali, sentindo tudo, o pai também, mas eles não se comunicam entre si. No luto da criança, o maior desafio é que ela consiga se expressar. O que facilita o luto é a expressão.”
Alguns sentimentos são próprios da criança. “Quando ela sente raiva, por exemplo, ela acha que a raiva vai dominá-la. Então, é comum a gente ouvir elas falando coisas como ‘te odeio’, ‘quero outra mãe’. Elas agem de forma muito intensa e, às vezes, falam ‘eu quero que você morra’”, explica Carolina Medeiros. “Isso pode trazer a ideia de que a morte aconteceu porque, em algum momento, eladesejou o mal para a pessoa. É preciso dizer para ela que não existe culpado, que a morte acontece para todo mundo, que não é algo que a gente domine. Porque ela não tem essa noção ainda.”

Jogos
A psicóloga ressalta que é preciso usar uma linguagem correta, coerente com o público infantil. No cemitério Morada da Paz, no município de Paulista, Região Metropolitana do Recife, onde Carolina trabalha, a equipe de psicólogos desenvolveu jogos que abordam a temática de forma lúdica, para incentivar que as crianças se expressem sobre os sentimentos que carregam diante da perda de alguém que amavam. Os jogos são baseados na história do Turma do Vilinha, em que amigos conversam sobre a morte de algum parente. “A Turma do Vilinha ajuda o adulto nesse contato, como ferramenta para que ele possa trabalhar os sentimentos com a criança. E isso é importante para a criança, que se envolve ali com algo que ela gosta, com brincadeiras, mas também para o adulto, que acaba olhando para a própria dor.”
Os joguinhos abordam sentimentos como a saudade, a tristeza, a dor. “É preciso entender que o luto se complica quando a criança não consegue expor os sentimentos, quando eles ficam guardados. Então, a brincadeira é importante porque ajuda a fazer com que elas se comuniquem sobre os sentimentos. Tanto a criança, quanto o adulto”, acrescenta Camila. “São jogos bem interessantes, que vão ajudando a clarificar. Muitas vezes fica confuso. A criança tem uma mistura de sentimentos dentro dela e ela não sabe identificar.” No jogo da memória, por exemplo, quando a criança consegue formar um par, um sentimento é descoberto. E aí, a criança é desafiada a contar uma história sobre esse sentimento e a pessoa que se foi. Esse e outros jogos estão disponíveis no site www.moradadapaz.com.br para quem quiser baixar.

Perdas
O pequeno Fábio Filho, de nove anos, desde os seis meses de vida teve que lidar com a morte de pessoas muito próximas. “Ele perdeu dois avôs e dois tios. O último foi há cinco meses, e ele era muito apegado”, explicou a professora Valdenia Maria, de 46 anos, mãe de Fábio. “Ele sentiu muito essa perda, porque eles costumavam pescar juntos. Precisou da ajuda da terapia do luto.” De acordo com Valdenia, desde muito cedo ele passou a repetir frases que observava os adultos comentando. “Como quando eu dizia que não passava um dia sem lembrar do meu pai, ele também passou a falar que não tinha um dia que não pensasse no avô.”
Para ela, o acolhimento da família também foi outro instrumento crucial para lidar com o processo de luto com a criança. “Como a família toda sente muito, principalmente após a morte do meu irmão mais velho, a gente se junta para se ajudar. Nós passamos a levar ele para pescar, que era um hábito que ele tinha com meu irmão. E aí quando eu choro com essas lembranças, ele consegue me confortar dizendo que, de alguma forma, o tio está presente no mar”, diz Valdenia. “Agora, mais velho, ele também já tem uma religiosidade maior. Porque nossa família é católica. Então há um entendimento de que a morte é apenas uma passagem para a vida eterna. Essa nossa fé também contribui bastante para que a gente consiga passar por isso tudo.”
Ela explica que foi instruída a responder às perguntas do filho sobre o tema sempre que fosse procurada por ele. Isso porque as crianças digerem essa realidade aos poucos, por etapas. Esse tipo de abordagem é comum, assim como também é necessário para tornar o processo do luto mais suportável. “Às vezes ele chora e vem conversar, e eu preciso me reinventar nesses momentos. Mas sempre falo a verdade diante dos questionamentos. Para as mães que não sabem como lidar diante de uma situação tão sofrida, eu aconselho a buscar um apoio profissional, mas nunca fugir do assunto. Enquanto mães, precisamos impulsionar nossos filhos para a vida. E esses processo de morte e de luto fazem parte dela.”
Para conferir o vídeo publicado originalmente, clique aqui.
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