Pandemia do coronavírus impõe novas formas de celebrar o Dia das Mães

Por Joana Gontijo para o Estado de Minas

Mesmo com o isolamento social, o importante é reforçar laços de afeto e criar maneiras de se fazer presente

Uma data especial que não pode passar em branco. O Dia das Mães ganha novos significados em tempo de coronavírus. Em muitas famílias, essa será a primeira vez em que a ocasião é experimentada à distância. Fundamental é perceber que o afastamento social não é o mesmo que isolamento emocional. Sentimentos como o respeito, a admiração, o carinho e o amor incondicional parecem potencializados quando não se está por perto – se tornam ainda mais importantes, urgentes. Quando o beijo e o abraço apertado não podem fazer parte do presente, mães e filhos reinventam as formas para estar juntos, ainda que separados.

computer-2242263_1920“Está chegando o Dia das Mães e muitos filhos e mães vão passar separados. Alguns por morarem em cidades diferentes, mas muitos que estão na mesma cidade e não podem se encontrar por conta do coronavírus. Muitas mães, inclusive, fazem parte do grupo de risco para a doença. Um data tão especial e não poder estar perto – isso tem causado angústia e ansiedade”, diz a psiquiatra Jaqueline Bifano.

Para ela, importante é que as pessoas se conscientizem e entendam que esse tem sido um ano atípico, e que o distanciamento físico é uma medida de proteção fundamental diante da pandemia. “O isolamento é um ato de solidariedade com todo mundo, não só entre os familiares. Mas é momentâneo, tudo vai melhorar, ainda que não exista uma perspectiva clara de tempo para isso acontecer”, opina Jaqueline.

A psiquiatra lembra que o isolamento social não precisa significar um isolamento emocional. “Vamos fazer uma vídeo conferência, ter um contato visual, conversar, tentar minimizar esse afastamento. Ver se o outro está bem, dar um beijo e um abraço virtual, o que também é uma demonstração de carinho. Não deixar de dizer à mãe o quanto é amada”, pontua. Para Jaqueline, essa é uma situação a ser superada. “É hora de um incentivar o outro. Todos estamos aprendendo e vamos tirar daqui uma lição. Pela ausência física, cada vez mais percebemos o valor em estar presente, em contato com quem amamos.”

DISTÂNCIA

A relações-públicas Bruna Oliveira Zanotti, de 31 anos, é mãe de Luiza, de 4 anos, e Teo, de cinco meses. Por 10 anos vivenciou a distância da mãe, Vera, de 56, que já morou no Pará, no Maranhão e no Ceará, entre outros lugares. Nesse período, desfrutaram juntas o Dia das Mães em três anos diferentes. Agora, em 2020, faz pouco tempo que Vera voltou à capital mineira, justamente na semana em que teve início a quarentena. Seria uma ótima oportunidade para reunir todos novamente, não fosse o coronavírus. “Infelizmente não vamos passar esse dia juntas. Estamos respeitando todas as recomendações de isolamento social. Qualquer saída de casa pode ser perigosa”, lamenta Bruna.

O pai de Bruna, Hércules, de 55 anos, trabalha e reside em Conceição do Mato Dentro, costumava vir a BH periodicamente, mas com as medidas restritivas está orientado a permanecer na cidade. “Desta vez é diferente, porque eu e minha mãe estamos na mesma cidade e seria o primeiro Dia das Mães com o Teo. Na Páscoa fomos à casa dela, e pela janela do carro a Luiza ficou cantando uma música para ela”, lembra. Na dia dedicado às mães, o plano de Bruna é fazer uma chamada de vídeo, comprar pela internet um bom presente para Vera e enviar uma cesta de café da manhã. “Minha mãe sempre fala que está com saudade, mas que é preciso respeitar esse momento – uma simples volta na rua pode ocasionar a infecção.”

POR PROTEÇÃO

Michelle Faêda, de 38 anos, e suas duas irmãs, sempre passaram a data com a mãe, Grace, de 60 anos. A cabeleireira é mãe de Caio e Hugo, de 10 e 4 anos, respectivamente. Grace reside em Itaoca, no Espírito Santo, mas a distância nunca foi empecilho para que todos se encontrassem no Dias das Mães – agora é o coronavírus que quebra esse ciclo. Todos os anos, ou a mãe vinha a BH, ou as filhas iam a Itaoca. “Minha mãe mora sozinha e pela primeira vez vai passar esse dia sozinha. Ninguém estará com ela. Isso para lhe proteger e a nós também. Estamos mesmo é preocupadas com a saúde. Além de ter 60 anos, ela é diabética, do grupo de risco”, diz Michelle.

Os pais de Fabiana, Adir, de 67 anos, e Maria de Faria Sales, também de 67, moram juntos, na companhia de outra filha, de 25 anos, e o grupo fica completo com outro irmão, de 41 anos. O pai e a mãe de Fabiana, além de idosos, são hipertensos, e a irmã é asmática – integram o grupo mais vulnerável quando da infecção pela COVID-19. Fabiana e o marido atual costumavam dividir o Dia das Mães entre as famílias, revezando o encontro no café da manhã ou para o almoço com a mãe de Fabiana e sua sogra. “Neste ano vamos passar o dia na minha casa, eu, meu marido e minhas filhas. Não teremos contato com ninguém”, diz Fabiana.

A alternativa vem da tecnologia. “Faremos primeiro uma vídeo chamada com a família do meu marido, seus irmãos e sua mãe, depois com meus irmãos e minha mãe, e depois com o Matheus e minha ex-sogra, com quem também tenho uma boa relação”, descreve Fabiana. A administradora já comprou um tablet para a mãe, que será entregue durante a chamada ao vivo. “Minha mãe de vez em quando vê as crianças pelo carro mesmo, de longe. Meu marido leva para ela as compras de supermercado, quando precisa, e deixa na garagem, sem contato. É um momento bem difícil”, confessa Fabiana.

O que dá sentido à vida
Estar juntos, ainda que virtualmente, é uma maneira de demonstrar amor e carinho no Dia das Mães. Para neuropsicanalista, muitos valores mudarão e as pessoas vão focar no que importa

O coronavírus ensina para as pessoas o valor das verdadeiras coisas que dão sentido à vida, como os laços familiares, a relação com os amigos, o carinho, a importância de que todos estejam bem, na opinião da neuropsicanalista Priscila Gasparini Fernandes. “Devemos valorizar a família, os amigos, o trabalho. Com toda essa crise e o isolamento, tenho certeza que muitos valores mudarão. As pessoas deixarão de dar importância para coisas pequenas, como o consumo excessivo, e realmente focar no que vale a pena: o amor e a liberdade”, salienta.

Nesse contexto, o Dia das Mães ganha um novo significado. “Muito maior que o presente é o desejo de que ela esteja bem e segura, sem o risco de se contaminar. Não é hora do abraço físico, mas podemos ter um contato virtual, mostrar todo o carinho e preocupação, com a certeza de que, quando tudo isso passar, as visitas físicas serão ainda mais valorizadas”, pondera Priscila.

A neuropsicanalista lembra que hoje a tecnologia é uma boa aliada. “Dentro do possível, filhos e mães podem fazer uma reunião virtual, conversar, talvez até almoçar virtualmente juntos, o que irá amenizar a falta da presença física. De alguma forma, estar presente e compartilhar este dia, tentando tirar o melhor proveito da situação com alegria e otimismo”, aconselha.

Para Priscila, o isolamento social, afora todos os transtornos, convida a refletir. “Pensar na vida, nas pessoas que amamos, nas preocupações que temos, e também sobre como podemos nos adaptar nesse período. Quando tudo isso passar, tenho certeza que haverá uma exaltação das relações presenciais, que serão muito mais prazerosas. Por enquanto, vamos nos prevenir, preservar quem amamos, para que possamos, em um futuro bem próximo, nos encontrar e desfrutar com alegria a presença da família e dos amigos”, diz.

TRISTEZA

Roberta de Castilho Henrique, de 39 anos, cuida do filho Vitor, de 5 anos. Sua mãe, Tânia, de 67 anos, vive com seu pai, Paulo, de 69 anos, e ela tem ainda uma irmã, que mora sozinha. A servidora pública federal diz que são todos muito ligados, e não esconde a tristeza em passar o Dia das Mães distante da família. “Nunca passamos separados. É a primeira vez que vou passar esse dia longe da minha mãe. Tenho duas avós vivas ainda, de 96 e 86 anos, e sempre estamos reunidos nessa ocasião. Com o coronavírus, é natural surgir um certo sentimento de depressão, e nessa data parece que piora”, reclama.

“Estamos isolados. De vez em quando pego o carro, vou até a casa dos meus pais, nos vemos pela varanda. Também sou mãe, é triste não estar junto.” Roberta já encomendou uma cesta de café da manhã para a mãe, e vai comprar o presente pela internet, em uma loja que conhece – no dia, a ligação pelo vídeo também não vai faltar. “Temos muitas memórias boas desse dia em outros anos. Agora ninguém poderá estar com ninguém”, diz.

Simone dos Santos Silva, de 44 anos, demonstra toda sua dedicação ao filho, João Antônio, de 6 anos. O pai da analista administrativo é falecido e a mãe, Joaquina, de 66 anos, casou novamente. Joaquina e o marido vivem em uma área rural entre Divinópolis e Igaratinga, no interior de Minas Gerais. A senhora costumava ir a BH quinzenalmente, mas com a pandemia parou com as visitas.

Simone tem outras duas irmãs, de 39 e 37 anos, enfermeiras e empregadas em hospitais da capital, bem na linha de frente contra o coronavírus. As irmãs, inclusive, foram afastadas do trabalho por suspeita de COVID-19, o que já foi, no entanto, descartado. Uma delas vive com seus dois filhos na casa de Simone, também na companhia de João Antônio.

A família é numerosa. No Dia das Mães é festa na certa. A mãe de Simone, suas tias, irmãs, primas, as sogras, os netos – todos sempre se reúnem. “Esse ano não vai ter jeito. É o primeiro que estaremos separados. É triste. Minha mãe, além do isolamento, tem doença autoimune e muitas vezes fica deprimida. Faço vídeos dos meninos brincando e mando para ela”, diz Simone, citando uma forma que encontrou para confortar Joaquina.

“Vamos passar o Dia das Mães eu, João, minha irmã e os dois sobrinhos. Faremos uma vídeo chamada, incluindo minha outra irmã. Estamos com a ideia de que as crianças cantem uma música do Roberto Carlos para ela. É chorona. Só do telefone tocar, chora”, brinca. “Passar esse dia longe da minha mãe é complicado. Somos muito ligados, gostamos de farra, de festa. É uma família matriarcal, uma coisa bem mineira mesmo”, declara Simone.

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