Pelas janelas da saudade

Por Valéria Caimi para Correio do Povo do Paraná

Você sabia que existe o dia da saudade? Pois é! Ele é comemorado, se assim pudermos dizer, no dia 30 de janeiro. Mas nos últimos tempos o dia da saudade tem sido todos os dias.  Não há um só dia que não repetimos: “Ah, já estou com uma saudade de…” São tantas as distâncias e impedimentos que temos vivido que o coração transborda em saudade!

Mas se temos esse sentimento foi porque realmente amamos algo ou alguém. Sim, só é possível ser envolvido pela saudade quem amou verdadeiramente. Saudade é a maturidade do amor que foi capaz de desprender-se.

Quanta saudade sentimos nos últimos tempos! Nunca pensei sentir saudade de coisas que faziam parte do meu cotidiano, como usar um batom vermelho e poder sorrir à toa para qualquer desconhecido com o rosto desvelado, sem o sufoco das máscaras. Fico imaginando como deve ser difícil viver em culturas em que é preciso cobrir-se para sair à rua.

O ser humano necessita do contato físico. Somos seres dos beijos, dos abraços e dos apertos de mãos. Nesses tempos, temos saudade de beijar sem medo de contaminar nossas crianças, nossos pais, nossos vovôs. Não poder abraçar desumaniza-nos. Talvez o abraço seja o que ainda nos faz iguais. Ah, como sentimos saudades de abraçar novos e velhos amigos! Como dói encontrar aquele velho amigo, do tempo da escola e não poder abraçá-lo! Às vezes, adiamos abraços por anos e agora que não podemos dá-los, clamamos por eles.

Nossas mãos foram proibidas de tocarem-se. Os apertos de mãos que selaram acordos de paz, pactos internacionais, o início de uma bela amizade ou de um inesquecível amor estão suspensos!  Pelas mãos acolhemos, abençoamos, lançamos a semente, trocamos carícias. Que saudade de entrelaçarmos as mãos, de tocar no outro  sem receio, sem a impressão que elas podem carregar a morte.

Saudades dos amigos reunidos para os aniversários, para os churrascos de fim de semana. Das disputas para ver quem leva a maionese, o pudim, quem assa a carne, quem compra o chope. Das crianças correndo, brigando e bagunçando toda a casa.

Saudade do rolê com os amigos, regados a caipirinha bebida no mesmo copo. Do tererê na praça, de mão em mão, sem a insegurança da atualidade. Ou do mate na varanda da vizinha, ao final da tarde, naquela prosa sem fim.

O que falar dos cafés das vovós aos sábados! Saudades de abraçá-la, tirá-la para uma dança no meio da cozinha, de ouvir seus conselhos repetidos inúmeras vezes.

Saudade dos bailes lotados, dos shows com muita, mas muita aglomeração, das partidas de futebol com o grito ensurdecedor da torcida! Das escolas com seus refeitórios lotados de crianças e adolescentes falando todos ao mesmo tempo! Essas são as saudades felizes e recuperáveis ao longo do tempo. Existem outras como a dos amigos que partiram, sem a nossa despedida, que nunca curaremos.

Nunca pensei que amasse tanto tantas coisas que não dava muita importância! Principalmente a liberdade e paz! Tenho saudade de não ter medo!

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