Sobre lutos e perdas: processos que chegam ao fim pedem um momento de reflexão

Por O Tempo

Saber lidar com a finitude das coisas e da vida é um passo importante para não sofrer além da conta

A jornalista Angela Azevedo adora falar sobre sua cachorra Georginha, que ganhou este nome em referência ao beatle George Harrison (1943-2001), uma de suas grandes paixões. Angela e a cadelinha eram praticamente inseparáveis nos 12 anos e meio em que uma fez companhia à outra.

Reuniões, festas, confraternizações em botequins, eventos e desfiles de blocos de Carnaval. Georginha estava em todas. “Ela virou uma grande companheira. Adorava se fantasiar no Carnaval, ia às manifestações com sua roupinha vermelha. Ela era muito especial”, conta a jornalista.

Essa história de amor e amizade, que começa em meados de 2008, terminou há pouco mais de um ano, quando a pequinês Georginha não resistiu a um problema no fígado associado à idade já avançada. “No dia em que ela foi embora, eu perdi o chão, fiquei arrasada. Foi minha primeira cachorrinha, eu sempre tive gatos. Georginha era tão querida, ela foi uma luz em minha vida. Fiquei vários meses péssima”, comenta.

Para atravessar o luto, Angela Azevedo contou com uma rede de apoio fundamental nesses momentos: amigos e familiares a acolheram, fizeram almoços, prestaram solidariedade e se colocaram à disposição para o que ela precisasse, de uma boa cerveja regada a risadas para desanuviar até uma conversa chorosa sobre a ausência da pequena Georginha.

“As pessoas foram muito solidárias comigo. Elas sabiam que eu estava perdendo a minha melhor companhia. Ela foi muito importante na minha vida”, diz Angela, que tem duas tatuagens em homenagem à cadelinha, uma feita após a morte do animal.

De acordo com a psicóloga Cida Lopes, o luto representa o sentimento que temos diante de alguma perda, e existem vários tipos de perda, desde términos de namoro e demissões a rupturas que acarretam um abandono de determinado projeto ou planos frustrados. Cada pessoa lida de uma forma com a sensação de falta, de um buraco que passa a ocupar um lugar onde havia completude.

O luto está normalmente associado ao susto, à revolta, à indignação e à inconformidade. Em temos saudáveis, é necessário entender que a perda e a morte fazem parte do processo natural da existência humana.

“Trata-se da finitude da vida. A morte é uma facada no nosso narcisismo, a perda é uma afronta a nossa onipotência. Aprendemos que podemos tudo, que temos controle de tudo, mas não é assim. A perda nos torna humanos, mostra nossas fragilidades, e isso vale para a morte, para a perda de um emprego. Precisamos ter frustrações para não acharmos que somos donos do mundo”, ressalta Cida Lopes.

Segundo a especialista, há diferentes aspectos do luto: necessário, traumático, patológico e coletivo. “No luto patológico, independentemente da perda, a pessoa não dá conta de superar, se desestrutura e pode até entrar numa depressão sem volta. O traumático é quando vem repentino, e as pessoas não têm tempo de processar. Já o coletivo diz respeito à morte da Marília Mendonça ou à queda do avião da Chapecoense. Aquelas pessoas não fazem parte das nossas vidas, mas, de alguma forma, são presentes através da música, por exemplo”, pontua Cida.

O luto necessário é o que Angela Azevedo enfrentou. Embora tenha passado por um período de dor profunda e cruel, e até hoje sinta falta de sua Georginha, a jornalista conseguiu seguir em frente, e, hoje, as recordações formam um álbum repleto de momentos felizes com a cadelinha.

“A ausência da amizade dela é a grande falta que sinto. Não sei se a gente aprende alguma coisa com o luto, mas com o tempo você vê o quão bom foi ter vivido ao lado de uma figurinha dessa. Você fica muito grato, se sente privilegiado”, pondera Angela.

Aos que não conseguem fechar o ciclo do luto em todas as suas fases e têm sua saúde física e mental prejudicadas por isso, a psicóloga Sônia Eustáquia recomenda a busca por ajuda profissional: “Todas as coisas que não conseguimos fechar por falta de compreensão, por não estarmos esperando aquela perda, requerem um trabalho maior. Estamos falando de análise, de um trabalho terapêutico para fazer o luto. São os choros não chorados, as saudades ainda não ditas e, principalmente, as culpas que não são reveladas”.

Sônia ressalta que todos os processos que chegam ao fim pedem um momento de fechamento, muitos deles felizes e festivos. Mas a vida, desde o nascimento, é feita de perdas.

Cida Lopes afirma que o cenário de mortes e perdas diversas – individuais e coletivas – durante a pandemia trouxe novos aprendizados. Ainda que não estejamos realmente prontos para encarar a morte ou qualquer tipo de perda mais séria, inclusive financeira, ambas têm um lado importante e significativo: passar a valorizar mais a vida.

“Todos estávamos no auge da fragilidade e da incerteza. Muitas pessoas começaram a questionar os valores. Continuo vendo mudanças muito radicais de pessoas que fizeram uma revisão em seus objetivos”, destaca a psicóloga.

A publicação original, você encontra aqui.

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