Um Freud para o cotidiano: lutos

Por Alexander Morishigue Para Jornal de Jales

Lutos são inevitáveis!
Por mais dolorosa que possa ser essa constatação, a vida é marcada por perdas.
Ao contrário do que muitos possam pensar, para a psicanálise a palavra luto está relacionada às perdas e não é apenas no sentido de perder uma pessoa querida para a morte.
Freud se debruçou sobre os temas do luto e da melancolia por décadas até publicar em 1917 o belíssimo texto Luto e Melancolia.
Já nos primeiros parágrafos, ele nos diz que…
“Via de regra, luto é a reação à perda de uma pessoa amada ou de uma abstração que ocupa seu lugar, como pátria, liberdade, um ideal etc.” (p. 171 – 172)
Em outras palavras, amamos não só pessoas e, consequentemente, perdemos não só pessoas. Somos enlutados muitas e inúmeras vezes.
Durante a vida, podemos perder um emprego, uma casa, uma amiga, um amor, um animalzinho de estimação etc.

“Em outras palavras, amamos não só pessoas e, consequentemente, perdemos não só pessoas. Somos enlutados muitas e inúmeras vezes.”

Até quando tentamos evitar o sofrimento, ele está em algum lugar dentro de nós!
Quando nos damos conta disso, somos visitados por um turbilhão de afetos. Sentimos raiva, medo, tristeza, desesperança, culpa e tantas outras coisas que nem conseguimos nomear.
Numa tentativa de lidar com esses afetos nomeados ou não, negamos, satirizamos, nos revoltamos e até mesmo atacamos, mas não importa o que possa ser feito, o luto está lá. Sempre está de alguma forma!
Se é inevitável, o que fazer?
O trabalho de luto pode ser demorado e difícil. Ele depende de inúmeros fatores e, principalmente, de acolhimento.
O acolhimento precisa ser por duas vias. Uma forma vem pelas pessoas do convívio de quem está enlutado. É necessário que essas pessoas possam validar a dor de quem sofre, acolher de forma sincera.
Uma outra forma, talvez a mais importante, depende da própria pessoa. Ter condições internas de acolher não só ela mesma, mas também acolher a sua humanidade tão fragilizada pela brutalidade da perda.
Nem sempre essas duas condições estão presentes. Nesses casos, a ajuda de um profissional é muito importante, pois existem lutos, mais de um, que podem se arrastar simultaneamente por anos e prejudicar a vida da pessoa de muitas formas. Inclusive, esses lutos podem aprisionar o enlutado, dando para ele a impressão de um tempo circular que passa lentamente ou muito rápido, mas sempre volta ao mesmo ponto…quando tudo se perdeu!
Enfrentar o luto dói, mas é necessário.
Não é e nunca foi sinal de fraqueza mergulhar no luto. Muito pelo contrário! Luto/lutar requer grande força e coragem para atravessar o caminho.
Compreender que a vida, metáfora de um caminho, pede justamente isso…caminho…eu!
E se eu caminho, posso amar novamente alguém, um trabalho, uma amiga, um animalzinho…amarei o que chega, o novo.
É evidente que cada perda é única e existem aquelas que são especialmente singulares. Sabemos que não teremos um novo pai, uma nova mãe, mas teremos as lembranças tão preciosas para amar e se fizer sentido, para chorar também.
Quando o trabalho de luto chega ao fim, podemos chorar de saudades, sabendo que o que fica é isso…a saudade. Esta saudade que confirma o amor e a capacidade imensa e humana de amar!

Alexander Morishigue
(Psicólogo CRP 06/97917. Psicoterapeuta de orientação psicanalítica e supervisor. Título de especialista em Psicologia Clínica e Psicanálise pela Universidade de Araraquara. Diretor acadêmico do Logos – Psicanálise e Educação.
Tem como objeto de estudo a metapsicologia dos limites)

Para conferir a publicação original, clique abaixo.

Um Freud para o cotidiano: lutos

Compartilhe