Vamos falar (mais) sobre o luto com as crianças?
Por Cynthia Almeida para Vamos falar sobre o Luto
“Ontem foi dia dos mortos e eu levei a Eva no cemitério. Antes de sairmos, disse a ela que levaríamos flores para os nossos mortos, que o cemitério era um lugar bonito, que parece um parque.
Ela foi comigo, orgulhosa, curiosa, escolheu uma flor cor de rosa, que é a sua atual preferida. Comprei também uma amarela e então entramos, levando nossas flores, à procura do jazigo da família. Passeamos entre as vielas do cemitério olhando as lápides e as flores recentes. A primeira coisa que Eva notou foi como alguns eram tão abundantes e outros não tinham flor nenhuma, só as placas. Sim, filha. Encontramos o nosso lugar e nos aproximamos do chão para ler os nomes. Ela permaneceu atenta enquanto eu recitava as datas de nascimento e morte de cada um. Meus bisavós, tios-avós, tio, primo. Meu avô amado. Meu irmão Gabriel. Falamos mais uma vez sobre como ela estava ficando parecida com ele, fizemos a careta que os deixam tão semelhantes. Sentamos na grama, em cima dos nossos mortos. “Eles estão aqui embaixo?”. Sim, filha. Mas só os corpos. “E as pessoas?”. Não sei dizer, filha.
Conversamos por bastante tempo sobre o que acontece quando morremos, compartilhei com ela algumas teorias mais populares mas deixei claro que era, essencialmente, um grande mistério. Acho que falar sobre a morte com minha filha de três anos é mais fácil já que ela nunca sentiu a dor da morte, pelo menos não que eu saiba, não nessa vida.
Não muito longe de nós havia um sepultamento acontecendo, peguei-a no colo e nos aproximamos um pouco para olhar, expliquei pra ela que aquele é o momento do ritual, que algumas pessoas são enterradas assim depois que partem. Que as famílias, os amigos e amores se reúnem, choram, jogam terra por cima do caixão. Mais tarde ela me disse que, quando eu morrer, vai deixar seus filhos me enterrarem. Contou também que vai ser a última a morrer. Sorri. Senti ternura por ela tentando entender e elaborar a ideia de futuro e desses eventos tão abstratos. Acredito que essas conversas podem ajudar a construir uma relação mais natural com a morte, mas também sinto que somos sempre pegos “desprevenidos” por ela. Não estamos preparados para sua grandeza, talvez porque temos a tendência de viver em desconexão. As mortes e os nascimentos nos chamam para a conexão, mas de maneira brusca, inescapável, e sofrida, na maioria das vezes. As crianças também nos fazem esse convite. Deixamos lá nossas flores colorindo o túmulo e voltamos para casa ouvindo as músicas de que meu irmão gostava. Expliquei pra ela que fazia parte do ritual. Ela não ligou muito e seguiu brincando com um graveto que pegou no chão do cemitério. Chegou em casa e contou alegre sobre o passeio para os avós.”
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